27.10.13

manifesto queer nation [parte iv]

parte 4 de 4 da tradução de um texto originalmente posto a circular entre pessoas que marchavam com o contingente ACT UP da marcha do orgulho gay de Nova Iorque, em Junho de 1990. autoria(s) anónima(s). texto original aqui & mais sobre a ACT UP aqui.



9. Nada de Polícia do Sexo

Qualquer pessoa que diga que sair do armário não faz parte da revolução não está a perceber a questão. Imagens sexuais positivas e o que elas manifestam salvam vidas porque elas afirmam essas vidas e possibilitam que outras pessoas tentem viver amando-se a si próprias, em vez de se odiarem a si próprias. Tal como o famoso lema “O negro é belo” mudou tantas vidas, “Lê-me os lábios” afirma a identidade queer perante o ódio e invisibilidade comprovados por um estudo governamental recente sobre o suicídio que constata que pelo menos um terço de todos os suicídios entre adolescentes são cometidos por miúdos queers. Isto é igualmente exemplificado pelo aumento da transmissão de HIV entre pessoas abaixo dos 21 anos de idade.

Enquanto queers, somos odiados principalmente pela nossa sexualidade, ou seja, pelo nosso contacto físico com o mesmo sexo. A nossa sexualidade e a nossa expressão sexual são o que nos torna susceptíveis à violência física. A nossa diferença, a nossa alteridade, a nossa singularidade, pode quer paralizar-nos, quer politizar-nos. Com sorte, a maior parte de nós não vai deixar que ela nos mate.

10. [Sem-título]

Porque raio deixamos heteros entrarem em discotecas queer? Mas quem que raio quer saber se el*s gostam de nós porque “sabemos mesmo divertir-nos”? Nós temos de o fazer para compensarmos a pressão que el*s nos fazem sentir o tempo todo! El*s curtem onde querem e ocupam demasiado espaço na pista de dança a fazerem danças de casal ostentosas. El*s vestem a sua heterossexualidade como um sinal de “Mantém-te Fora” ou como uma declaração de propriedade.

Porque merda é que nós *s toleramos quando invadem o nosso espaço, como se fosse o seu direito? Porque é que deixamos que esfreguem a heterossexualidade – uma arma que o seu mundo usa contra nós – nas nossas caras, logo nos poucos sítios públicos em que podemos ser sexys uns/umas com *s outr*, sem temermos ataques?

É altura de parar de deixar as pessoas hetero determinarem todas as regras. Comecemos por deixar este sinal no exterior de todas as discotecas e bares queer:

Regras de Conduta para Pessoas Hetero
1. Mantenham as vossas demonstrações de afecto (beijos, mãos dadas, abraços) no mínimo. A vossa sexualidade é indesejada e ofensiva para muit*s aqui.
2. Se têm de dançar junt*s, sejam o mais discret*s possível.
3. Não fiquem estarrecid*s a olhar fixamente para lésbicas ou homens gays, especialmente bull dykes ou drag queens. Não somos o vosso entretenimento.
4. Se não conseguem lidar confortavelmente com alguém do mesmo sexo atirar-se a vocês, vão-se embora.
5. Não ostentem a vossa heterossexualidade. Sejam discretos. Arrisquem serem vistos como uma fufa ou um paneleiro.
6. Se sentem que estas regras são injustas, vão combater a homofobia nas discotecas hetero, ou
7. Vão-se foder.

11. Odeio Heteros

Tenho amig*s. Algumas/alguns del*s são heteros.

Ano após ano, vejo *s minhas/meus amig*s heteros. Quero vê-l*s, saber como estão, adicionar novidades às nossas longas e complicadas estórias, viver alguma continuidade.

Ano após ano, continuo a aperceber-me de que os factos da minha vida lhes são irrelevantes e que sou só semi-escutad*, que sou um apêndice dos afazeres do seu mundo maior, um mundo de poder e privilégio, das leis da instalação, um mundo de exclusão.

“Isso não é verdade”, contestam *s minhas/meus amig*s heteros. Há uma certeza nas políticas do poder: *s excluíd*s imploram por inclusão, enquanto *s iniciad*s alegam que já o são. Os homens fazem-no às mulheres, *s branc*s fazem-no a*s negr*s, e toda a gente o faz a*s queers.

A linha de divisão principal, consciente e inconsciente, é a procriação... e essa palavra mágica: Família. Frequentemente, aquel*s de quem nascemos deserdam-nos quando descobrem quem realmente somos, e para agravar a situação, é-nos proibid* ter *s noss* própri*s filh*s. Somos punid*s, insultad*s, calad*s e tratad*s como insurgentes no que toca à criação de crianças, quer condenad*s se tentarmos, quer condenados se nos abstivermos. É como se a propagação da espécie fosse uma directiva tão frágil que sem a sua imposição enquanto agenda, a humanidade fosse derreter de volta a uma qualquer mistela primordial.

Odeio ter de convencer pessoas heteros que as lésbicas e os gays vivem numa zona de guerra, que estamos rodead*s por explosões de bombas que só nós parecemos ouvir, que os nossos corpos e almas são apilhados aos montes, mortos de medo ou espancados ou estuprrados, morrendo de perda ou doença, livres do seu ser-pessoa.

Odeio pessoas hetero que não conseguem ouvir a raiva queer sem dizer “hey, nem todas as pessoas hetero são assim. Também sou hetero, sabes”, como se os seus egos não recebem festinhas e protecção suficientes neste mundo arrogante e heterossexista Porque é que temos de tomar conta del*s, no meio da raiva que sentimos causada pela sua sociedade fodida?! Porquê adicionar a validação de “É claro que contigo é diferente. Tu não te comportas assim.” El*s próprios que percebam se merecem ou não a nossa raiva.

Mas é claro que isso significaria ouvir a nossa raiva, coisa que quase nunca fazem. El*s bloqueiam-na, dizendo “eu não sou assim” ou “olha só quem está a generalizar agora” ou “apanhas mais moscas com mel...” ou “se te focares no negativo, só lhe estás a dar mais poder” ou “não és * único no mundo a sofrer”. Dizem “não grites comigo, estou do teu lado” ou “acho que estás a exagerar” ou “ena pá, estás amarg*”.

Deixa-te Ficar Zangad*

Ensinaram-nos que boas e bons queers não se zangam. Ensinaram-nos tão bem que não só escondemos a nossa raiva deles, como a escondemos umas/uns d*s outro*s. Até a escondemos de nós própri*s. Escondemo-la com abuso de drogas e suicídio e esforçando-nos mais na esperança de provarmos o nosso mérito. El*s atacam-nos e esfaqueiam-nos e disparam sobre nós e bombardeiam-nos em números sempre crescentes e ainda assim nós passamo-nos quando queers zangad*s levam faixas ou cartazes que dizem “Ataca de volta”. Durante a última década deixaram-nos morrer em massa e ainda assim agradecemos ao Presidente Bush por plantar uma merda de uma árvore, aplaudimo-lo por comparar pessoas com SIDA a vítimas de acidentes automóveis que se recusam a usar cintos-de-segurança. Deixa-te ficar zangad*. Deixa-te ficar zangad* quanto ao facto do preço pela visibilidade ser a ameaça constante de violência, violência anti-queer para a qual praticamente todos os segmentos desta sociedade contribuem. Deixa-te ficar zangad* por não haver lugar neste país em que estejamos a salvo, nenhum lugar onde não sejamos alvos de ódio e ataque e do ódio a nós própri*s, vítimas do suicídio que é o armário.

Da próxima vez que uma pessoa hetero qualquer te cair em cima por estares demasiado zangad*, diz-lhe que até as coisas mudarem, tu não precisas de mais provas de que o mundo gira à tua custa. Não precisas de ver casais hetero às compras na mercearia na tua TV... Não queres mais fotos de bebés esfregadas na tua cara até tu poderes ter ou manter os teus próprios. Já chega de casamentos, recepções, aniversários, por favor, a não ser que sejam *s nossos própri*s irmãos e irmãs a celebrar. E diz-lhes que não te menosprezem dizendo-te que “tens direitos”, que “tens privilégios”, que “estás a exagerar” ou que “tens mentalidade de vítima”. Diz-lhes “afasta-te de mim, até que tu mudes”. Afasta-te de mim e experimenta um mundo sem *s queers corajos*s e fortes que são a sua espinha dorsal, que são as suas entranhas e cérebros e almas. Vai dizer-lhes que se afastem até que tenham passado um mês a caminhar em público de mão dada com alguém do mesmo sexo. Depois de sobreviverem a isso, depois sim vais ouvir o que têm a dizer sobre a raiva queer. Senão, diz-lhes que se calem e ouçam.

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-- Queer Nation, 1990




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