6.2.14

proposta: projecto: afectos [final]

apresentação de uma proposta de projecto que tenho tentado pôr a circular, sem grande sucesso. quem tenha interesse nas relações entre política & emoção; femininidade & afectos; afectividades LGBT; relações entre o pessoal & o político; críticas anti-psiquiátricas, queer & feministas; estudos da emoção:  entrem em contacto! objectivo: formar um colectivo de intervenção crítica/política/criativa.

*s

PROPOSTA: PROJECTO: AFECTOS.
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i. Apresentação.

Estás Deprimido? Talvez seja Político! [1]

Os afectos importam, quer sejam positivos, quer sejam negativos. Temos de nos posicionar contra a imposição normativa da "felicidade" e procura conhecer e construir uma estória mais plena das nossas vidas afectivas, nas suas dimensões públicas e políticas. Convivemos com índices internacionais de felicidade; quantificações científicas da satisfacão; teorias "objectivas" do afecto modeladas a partir da teoria quântica; pilhas de livros de psicologia pop a instaurar o pensamento positivo enquanto imperativo psíquico. Estruturas inteiras apressadas na ansiedade de garantir que dizemos que sim, que sorrimos, que estamos satisfeit*s e sossegad*s, independentemente das nossas realidades subjectivas e sociais. Temos de transtornar estas forças sociais de normalização. Não interessa viver numa cultura de caras contentes; interessa viver numa cultura de corpos completos. Urge respeitar e afirmar todo o espectro da experiência, sabendo que para tal falta produzir certos conhecimentos, espaços, registos e textos.

E urge em particular conhecer o pleno sentido e efeito dos nossos afectos negativos. No contexto da crise económica actual, fazem-se quantificações frequentes, actualizações estatísticas constantes, índices nacionais e internacionais: a economia quantifica-se, contabiliza-se. E esse mesmo tipo de contas diz-nos de índices mais elevados de suicídio e de sintomas depressivos em diversas populações ocidentais no contexto da crise económica. Claramente, da crise social deriva uma crise subjectiva. Infelizmente, há coisas que o psicopatológico percepciona - e materializa no corpo - com mais lucidez do que o psiconormativo. Infelizmente, o corpo em crise é a expressão mais brutalmente honesta da situação económica e política que vivemos. E quanto a isto, é-nos dito que sejamos pacientes, optimistas, positivos e racionais.

Esta imposição da afectividade positiva é um mecanismo de domesticação na gestão da cidadania contemporânea. Comunica que o afecto negativo é pura e simplesmente um fenómeno da ordem singular da subjectividade de cada pessoa, pessoa que pode e deve silenciar, suprimir e transcender esses afectos. O psíquico é um problema privado e não público, um problema pessoal e não político. Resulta que o sujeito em crise, e o sujeito psicopatológico em particular, está isolado (e não articulado) e o seu problema é individual (e não colectivo). Mas todas as estruturas mentais derivam de estruturas materiais: são sintomáticas delas e somatizam circunstâncias de vida e sistemas de poder. O mental é material e o individual é colectivo. A depressão é um facto político. Todo o afecto é um facto político.

Contra o imperativo coercivo do positivo, importa produzir arquivos da raiva, do desespero, da impotência, da perda, do luto, da desistência, da exaustão... Importa constituir uma memória colectiva que rompa com o mar-de-rosas que certas construções normativas pretendem forçar sobre a nossa experiência, sendo que esta memória é uma forma essencial de partilha pessoal e uma força estratégica de acção política. Isto porque o subjectivo é sempre sintomático das estruturas sistémicas das nossas vidas. As emoções comportam lições quanto às nossas circunstâncias sociais, políticas, económicas. Os afectos podem e devem ser instrumentalizados enquanto ferramentas de diagnóstico político.

Este projecto visa colocar os afectos no plano do espaço-público e estimular em torno dos mesmos práticas de pensamento colectivo, de partilha crítica, de criatividade productiva. A ideia é procurar potenciais de crítica e criação através de uma série de intervenções que 1) coloquem o pessoal enquanto problema público, 2) politizem o discurso em torno dos afectos, 3) afirmem o espectro total da experiência afectiva, 4) respeitem e representem afectos negativos, 5) demonstrem as potencialidades políticas da afectividade negativa, 6) explorem as múltiplas relações entre o pessoal e o político e 7) entre o material e o mental; 8) elaborem os nossos conhecimentos do emocional e do mental e 9) nos capacitem com novas formas de auto-representação (privada e pública) e acção (pessoal e política) - isto para indexar apenas algumas motivações e algumas possibilidades.

As propostas específicas que se apresentam aqui são, especificamente:

1) Arquivo Queer. Vídeo-arquivo de testemunhos pessoais em torno de afectos negativos com um papel significativo na experiência LGBT contemporânea em Portugal.
2) Grupo de leitura. Grupo de leituras teóricas e técnicas em torno de textos que coloquem a problemática do afectivo, da psiquiatria à poesia e da filosofia à política.
3) Colaborações críticas. Parcerias com diversas entidades, académicas e não, que capacitem a produção e partilha de conhecimentos do afectivo, cruzando o científico com outros saberes.
4) Oficinas criativas. Espaços de estímulo ao trabalho criativo em torno do afectivo, articulando teoria, autobiografia, e criatividade, explorando uma potética / política dos afectos.
5) Dia Internacionaldos Politicamente Deprimidos. Apropriação desta iniciativa do Feel Tank Chicago - uma de manifestação sentimental, politicamente paródica.

Finalmente, deixo algumas notas sobre o projecto que serve de modelo principal para esta iniciativa; o Feel Tank Chicago.

...E não sei que título dar a isto. Não desgosto de "Projecto Éris" (deusa grega da discórdia e entropia, feia e renegada, produtora de caos; nome de um planeta vizinho do sistema solar; a palavra derivada "erística" designa a arte da disputa argumentativa na filosofia clássica, ao ponto da distorção da lógica e do raciocínio). Mas não sei. Éris parece-me demasiado... sóbrio. Não sei.

Obrigado por lerem! *

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ii.  Algumas Intervenções

1) Arquivo Queer: Construir um arquivo afectivo de sujeitos queer que relatam, e reflectem sobre, experiências emocionalmente negativas. Uma colectânea de vídeos de cerca de 10 minutos cada um, actualizada regularmente. Apresentar a determinado sujeito uma série de rubricas-chave, das quais seleccione uma, a partir da qual este coloca uma problemática/conta uma estória/lança uma linha de interrogação/o que seja, sembre na articulação do autobiográfico e do crítico; sempre na articulação do privado e do público. Estrutura e estilo de testemunho/confessional. Um critério parcial de selecção: alguma atenção dada a artistas/activistas/académicos: àqueles que se posicionem como catalistas dos conhecimentos e realidades da comunidade LGBT; mas é um projecto potencialmente aberto a todos, de acordo com critérios que se irão aprendendo. Deixo uma proposta inicial de rubricas-chave, todas as quais procuram identificar estados emocionais potencialmente significativos para a construção um discurso biográfico/crítico queer, de uma memória colectiva LGBT das pressões que sentimos e das perdas que vivemos:


aborrecimento    agressividade    agitação    alienação    ambivalência    ansiedade   apatia    arrependimento    cobardia    culpa    depressão    descontentamento    derrota   desespero    desinteresse    desilusão    destruição    dúvida esgotamento    fealdade   estupidez    exaustão    inconsciência    incapacidade    inveja    impotência   isolamento    letargia    luto    medo    náusea    negligência    nojo    ódio    pânico   paranóia    perda    prisão    raiva    rejeição    ressentimento    silêncio    tensão   vazio    vergonha.
  
Para quê?
                     Para potenciar e agilizar partilhas entre pessoas LGBT, construindo sentidos partilhados da sua experiência comum; sentidos de paralelos entre experiências, e subsequentemente, sentidos de pertença.
                     Para desmistificar as separações entre o privado e o público, demonstrando o que há de social no subjectivo e o que há de colectivo no individual.
                     Para perceber as dimensões políticas da experiência e da emoção, expondo que o campo do pessoal é um campo de inscrição do político e explorando as relações entre estados mentais oprimidos e estruturas materiais opressivas.
                     Para contrariar discursos que pretendem negligenciar as dimensões do negativo, através de um imperativo que impõe a legitimação do pensamento positivo, mesmo quando este falha e falsifica a nossa experiência.
                     Para produzir um diagnóstico incisivo (porque íntimo) e eficaz (porque afectivo) da situação social LGBT actual, através do registo das múltiplas dificuldades, perdas e impossibilidades que ainda a caracterizam.
                     Para romper com uma homonormatividade que propõe que os avanços nos enquadramentos legais da nossa experiência significam a integração social e integridade psíquica da comunidade LGBT, demonstrando e defendendo as experiências/emoções/identidades silenciadas por estes discursos.

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2) Grupo de leitura: Estabelecimento de um grupo de leitura em torno de temáticas psiquiátricas e psicológicas, com foco na psicopatologia, explorando diversos campos textuais, incluindo 1) o cânone teórico anti-psiquiátrico, 2) as teorias contemporâneas dos afectos e 3) várias poéticas dos afectos. Trabalho colectivo de interpretação e reconstituição dos sentidos dos afectos, numa relação crítica (até céptica) com os mecanismos sociais-médicos pelos quais a psiquiatria e a psicologia legitimam a autoridade das suas interpretações do corpo, da subjectividade, da emoção e da cognição. Desenvolvimento de uma literacia alternativa; de uma maior sofisticação crítica no entendimento dos afectos que transtorne e transcenda o senso-comum e/ou a ciência. Literacia técnica, passando pelo reconhecimento e conhecimento das categorias operacionais nos discursos psiquiátricos e psicológicos dominantes na contemporaneidade. Literacia teórica, passando por trabalho especulativo que cruza saberes subalternos e que cruza e confronta as estruturas da psiquatria e da psicologia com outros regimes discursivos - artísticos, autobiográficos, antropológicos, políticos, filosóficos - que lhes sejam contrários e complementares.

Alguns pontos de partida provisórios: Gilles Deleuze, Félix Guattari, Sigmund Freud, Eve Kosofsky Sedgwick, Lauren Berlant, Ann Cvetkovitch, R. D. Laing, Theodore Lidz, Silvano Arieti, David Cooper, o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), o CID-10 (Catálogo Internacional de Doenças Mentais)...


Para quê?
                     Para potenciar conhecimentos que se mobilizem quer dentro, quer fora dos regimes científicos dominantes que determinam entendimentos comuns do mental, do subjectivo e do afectivo, cruzando diversos domínios de conhecimento e produção de sentido.
                     Para capacitar sujeitos psicopatológicos a um auto-entendimento crítico, em que se autonomizam enquanto sujeitos de conhecimento das suas experiências, necessidades, características e potencialidades - em vez de se submeterem a serem passivos objectos de conhecimento da autoridade institucional.
                     Para compreender o papel e natureza do psíquico em vários dos nossos meios de representação, incluindo as diversas ciências sociais, os media e as artes, interpretando e criticando a imagética que se constrói em torno do sujeito psicopatológico em diversas tradições ocidentais.
                     Para desestabilizar e desenvolver o sentido da psicopatologia, quer compreendendo os usos e nexos desta categoria cognitiva/afectiva, quer pondo em causa as dimensões em que possa falsificar a experiência, constrangindo a possibilidade de acção individual, oprimindo o sentido que o sujeito tenha de si próprio, e despolitizando diversos aspectos da experiência subjectiva.
                     Para mobilizar a psicopatologia enquanto potencial ferramenta de diagnóstico social e político, sintomática de estruturas materiais e simbólicas passíveis de crítica a partir dos termos da própria doença mental; para compreender o que o olhar psicopatológico percepciona mais eficazmente do que o olhar psiconormativo.

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3) Colaborações críticas: Criar parcerias com diversas entidades, para colaborar na construção de novos conhecimentos do plano dos afectos e de discussão pública da problemática do pessoal. Aproveitar o trabalho já realizado por diversos indivíduos e colectivos em torno das questões que preocupam o projecto, articulando-o de novas formas (p. ex., com o de outros indivíduos e colectivos ou em espaços em que normalmente não circulam), e incentivar novos processos de reflexão e discussão (p. ex., convidar activistas a pensarem e partilharem posições em torno do afectivo). O vínculo a determinadas entidades (p. ex. a FLUL, a UMAR) também facilita uma certa legitimação do trabalho feito e  a criação de um determinado público que seria difícil de garantir avançando sem esses suportes institucinais.

Possível colaboração 1): faço parte de um colectivo recém-formado chamado Krisis & Poesis, baseado na FLUL, que se propõe a trabalhar o conceito de crise em diversas vertentes, através da reflexão académica e da interpretação de determinadas produções artísticas e documentais. Estamos a preparar, para 2014, um ciclo de conversas. Molde: dois especialistas convidados (académicos ou não), um objecto específico de discussão (um documentário, um filme, um texto, etc). Colaborar com o Krisis & Poesis na organização de um evento sobre crise social & crise subjectiva, que articule relações entre o material e o mental e problemáticas psicológicas com problemáticas políticas. Título provisório: O Sujeito Em Crise.

Possível colaboração 2): comunicar, através da UMAR, com investigadoras que trabalhem directamente ou indiferectamente questões do feminino e do afectivo, de um ponto de vista sociológico/histórico/antropológico/filosófico, etc. Organização, com a UMAR e na sua sede, de um ciclo de conferências/conversas sobre as relações codificadas entre o emotivo e o feminino (trabalhar termos insistentemente articulados em torno do corpo feminino, como: o privado / o corporal / o sensível / o emocional / o irracional, etc). A Teresa Joaquim (Universidade Aberta), no livro "Menina e Moça: Construção Social da Feminilidade, séculos XVII-XIX" (Fim de Século, 1997) tece algumas notas de interesse sobre o feminino / o corporal / o sensível; de resto, não tenho para já mais referências. Título provisório: Mulheres & Emoções.

Possível colaboração 3): organização de uma conversa - ou ciclo de conversas; dependerá da riqueza do tema para desenvolvimento, e da disponibilidade das pessoas - em torno de activismo e afecto: exploração pública do material emocional de que o activismo é feito e que o activismo tem como efeito; consideração das condições subjectivas do trabalho político; explicitação dos posicionamentos políticos enquanto posicionamentos pessoais; entendimento da implicação política do pessoal e da implicação pessoal do político. Um primeiro convite a fazer: às Panteras Rosa (tal articular-se-ia com o Arquivo Queer, e com a participação de algumas Panteras no mesmo). Espaço por determinar: será o RDA uma opção?  Título provisório: O Político é Pessoal. Outra opção, próxima desta: sobre os efeitos fisio- e psicopatológicos da precariedade, com base na medicina e psiquiatria. Título provisório: Corpos Precários.

Para quê?
                     Para construir conhecimentos do afectivo, do pessoal e do psicopatológico que se constituam no cruzamento de uma multiplicidade de discursos, memórias, experiências, enquadramentos e percepções, complementado (e quando necessário, contrariando) as definições técnicas e teóricas do discurso psiquiátrico e psicológico.
                     Para comunicar esses conhecimentos para lá de contextos exclusivamente académicos, potenciando os usos não-académicos de conhecimentos que se produzem dentro e fora das linhas do científico.
                     Para reconhecer o pessoal enquanto fenómeno público, reconhecendo-lhe o cariz social, histórico e político: legitimar o pensamento colectivo e colaborativo de materiais biográficos e matérias emocionais.

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4) Oficinas criativas: Criar espaços de estímulo à prática criativa que insistam num pensamento crítico e numa imagética alternativa em torno das questões da psicopatologia, da afectividade, da corporalidade e da subjectividade. Estímulo da inscrição dos afectos (autobiográfica ou não), em moldes teoricamente e formalmente experimentais, passando pela reflexão crítica aprofundada das emoções e pelo jogo com as formas do artístico, do crítico, do autobiográfico, do académico, e por aí fora. Estímulo às práticas da representação crítica e da auto-representação e à construção de arquivos afectivos, individuais e colectivos.

Exemplo 1): oficinas de escrita criativa que proponham a sujeitos não-psicopatológicos escreverem sobre a psicopatologia, criativamente e criticamente (ou ambos) ou mesmo a sujeitos psicopatológicos escreverem sobre a psicopatologia, autobiograficamente, criativamente ou criticamente (o mais interessante será sempre alguma articulação desses regimes diferenciados; esta articulação seria uma insistência do projecto).  No que toca à segunda vertente: aponto que o hospital Santa Maria tem uma clínica de dia, um serviço de internamento psiquiátrico parcial, que incorpora diversar práticas psicoterapêuticas de cariz criativo; um convite ao mesmo para uma colaboração podia ser considerado.

Exemplo 2): separadamente ou mesmo na sequência da organização de um ciclo de oficinas de escrita criativa, uma sessão de leitura de textos literários e autobiográficos em torno de um dos estados afectivos chave do projecto (por exemplo, "depressão", "luto" ou "raiva").

Exemplo 3): mais uma vez, separadamente ou mesmo na sequência da organização de um ciclo de oficinas de escrita criativa, produção de uma edição temática, colectânea de registos criativos-afectivos em diversos registos formais e temáticos - ou mesmo de uma série de colectâneas diferentes, articuladas dentro de uma série, definidas por temas individuais (conceitos-chave/afectos-chave). Vias: publicação tradicional através de uma publicadora independente; publicação gratuita online (estabelecimento de um site, produção de um .pdf) e/ou publicação caseira (encadernação amadora).

Exemplo 4): organização de uma exposição fotográfica ou de expressão visual de outra ordem em torno dos afectos-chave, em que os artistas participantes colaborem numa discussão colaborativa em torno dos conceitos-chave/afectos-chave do projecto, num processo de reflexão colectiva; curadoria e apresentação critica/teórica da mesma a cargo do projecto.

Para quê?
                     Para capacitar a auto-representação de sujeitos psicopatológicos, através de todas as linguagens criativas e críticas a que possam recorrer para melhor responder às suas experiências.
                     Para incentivar a representação pública de diversos afectos, em particular quando estes são articulados criticamente, com atenção às suas dimensões públicas e políticas.
                     Para explorar as relações entre estética e emoção; ou mesmo para pensar qual, historicamente e agora, a estética de cada emoção, reconhecendo e explorando a forma como determinados afectos estão codificados em determinados tipos e estereótipos de representação.
                     Para facilitar a constituição de arquivos afectivos, ou seja, de uma memória colectiva de determinadas experiências afectivas que, pelo meio da expressão criativa, podem ser articuladas enquanto transversais a diversas posições subjectivas - colocadas enquanto socialmente significativas.

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5) Dia dos Politicamente Deprimidos. Celebração, em Portugal, do Dia dos Politicamente Deprimidos - uma invenção do Feel Tank Chicago (um grupo de pesquisa e intervenção política americano em torno de questões de afecto, composto por artistas, académicos e activistas) que visa compreender e afirmar as dimensões públicas e políticas da depressão: perceber como a depressão é, parcial se não totalmente, sintomática de um sistema económico e social em crise - ou seja, que a crise subjectiva deriva de uma crise social. E como se dá expressão a isto? Wikipedia: "deram-se instruções aos participantes na manifestação para que aparecessem de robe e chinelos, trouxessem medicação, e qualquer forma legal de auto-medicação que tivessem". A Ann Cvetkovitch elabora um pouco em "Depression: A Public Feeling" (2012):

"(...) o Feel Tank tem operado com o humor extravagante que poderíamos esperar de um grupo de queers experientes no activismo, organizando um Dia Internacional dos Politicamente Deprimidos, ao qual os participantes foram convidados a aparecer nos seus robes para indicar a sua fadiga com formas tradicionais de protesto, distribuindo t-shirts e imãs de frigorífico com o slogan Estás Deprimido? Talvez Seja Político!. O objectivo é despatologizar emoções negativas para que elas possam ser capacitadas enquanto recurso para a acção política, e não a sua antítese. Isto não equivale, no entanto, a sugerir que a depressão é no processo convertida numa experiência positiva; ela retem as suas associações com a inércia e o desespero - embora não necessariamente com a apatia e a indiferença - mas estas emoções, disposições e sensibilidades tornam-se focos de possibilidade de espaço público e formação de comunidades".

Uma iniciativa para quando já estivesse consolidado algum trabalho e se conseguisse juntar pessoas.


Para quê?
                     Para articular o pessoal e político, demonstrando as implicações psíquicas das condições que caracterizam o sistema socio-económico actual, registando (ainda que parodicamente) os impasses, bloqueios e desvios afectivos que caracterizam a experiência da crise actual; para comunicar que a precariedade é um fenómeno duplamente económico e emocional.
                     Para articular colectivamente a problemática da depressão, tornando claro que não é do foro de uma singularidade inalienável, mas sim uma categoria médica geral que descreve e organiza em conjunto uma série de experiências de diversos sujeitos que podem, e talvez devam, procurar partilhas e, em conjunto, capacidades.
                     Para articular politicamente a problemática da depressão, tornando claro que esta categoria da experiência psíquica é socialmente construída (e que subsequentemente pode ser socialmente reconstruída e/ou desconstruída); para tomar o sentido da mesma nas nossas próprias mãos, tirando-a das mãos da psiquiatria/psicologia enquanto instituição autoritária e ressignificando-a colectivamente.
                     Para perturbar o imperativo coercivo da "privacidade", cujo afecto-chave é a vergonha, que comunica ao sujeito que há emoções apropriadas e inapropriadas para a expressão pública: romper com todo um sistema dominante de higiene dos afectos.

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iii.  Sobre o Feel Tank Chicago

O Feel Tank Chicago é um projecto norte americano que trabalha as dimensões públicas e políticas do afectivo. O grupo - que tem as suas origens no projecto "Public Feelings", por sua vez uma parte do projecto "Feminism Unfinished" - consiste em artistas, activistas e académicos organizados no trabalho de pesquisa e activismo em torno de questões das emoções e sensações. Premissa: que as esferas públicas são cosmos afectivos; que qualquer compreensão do social passa por uma compreensão do subjectivo. Foco particular em afectos negativos, justificado pelo fracasso do sistema de representação política norte-americana em capacitar sentidos positivos de participação e cidadania; em contra-ponto, apresenta os afectos negativos enquanto frequentemente sintomáticos das crises e disjunções do tecido social e político. Fundadoras: Lauren Berlant (teórica cultural), Debbie Gould (socióloga), Mary Patten (artista), Rebecca Zorach (historiadora).

Algumas iniciativas do projecto:
                     Organização da parada do Dia dos Politicamente Deprimidos (2003-2007).
                     Conferência "Depressão: Para que é que serve?" (Universidade de Chicago).
                     Série de exibições: "Pathogeographies, Or, Other People's Baggage" (Chicago).
                     Feel Kit: um glossário crítico de afectos.

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