6.4.15

sobre arquitectura, reprodução, desejo



"After Leonardo’s Vitruvius Man and Le Corbusier’s Modulor we shall have the Voilá! Man as the model of proportion! This man has the profile of Nijinsky with the indifferent look of an Egyptian Sphinx!" -- Luís Lázaro Matos 

 1. 
A oposição entre funcionalismo e esteticismo tem a sua política sexual própria. A articulação de um princípio mecanicista e realista de representação- seja ela artística ou científica - tem como premissa subjacente a possibilidade de uma produção ou reprodução mimética do real que produz do feito um novo efeito sem acrescento, sem fricção ontológica, visto que espelha sem estragar. Nisso, o funcionalismo é, desde sempre, heteronormativo: encaixa-se numa meta-estrutura simbólica da reprodução histórica enquanto processo biológico, material e semiótico em que corpos, estórias, eventos e efeitos se direccionam linearmente para uma via exclusiva, teleologicamente determinada: o futuro enquanto horizonte da prática (seja esta quotidiana, afectiva, criativa, etc). Um escritor realista e uma pessoa entregue à poética do recém-nascido partilham do mesmo princípio, manifestando-o em ordens diferentes: 1) é possível reproduzir a materialidade no texto e 2) é preciso reproduzir o presente no futuro; ambos têm como estrutura coordenadora o mito da reprodução. O funcionalismo (num sentido mais lato: o realismo, o cientificismo, o positivismo) e o futurismo (não o estético, atenção, mas o afectivo e político) são fantasmas do heteropatriarcado; só uma lógica falocrata tem tanto medo da fricção ontológica e do excesso sensual, só uma lógica heterocêntrica teme tanto um resíduo que exceda a função tida por "natural" e "óbvia" do corpo. 

2. 
Em "Chaos, territory, art" Elizabeth Grosz fala da arquitectura enquanto a primeira das artes: a constituição de espaços de protecção, produção e partilha de vivências constituirá o primeiro momento, a primeira condição, para o facto da arte; antes de todas as outras práticas materiais e simbólicas da arte se materializarem, o princípio arquitectónico surge implicitamente em todo o esforço de criar um território, por mais contingente e provisório que este seja. E em função do enquadramento que focaliza e faz o território definir-se, surge a primeira possibilidade de expressão: o enquadramento arquitectónico (que depois volta a surgir na forma do quadro ou do ecrã ou do refrão...) organiza os estados caóticos da Terra em blocos de sensação delimitados e desenhados que impactam o corpo. Mais: o que na natureza animal acelera e intensifica a produção de blocos de sensação será a selecção sexual; em excesso da selecção natural, a selecção sexual introduzirá na cena animal o surpreendente poder do desejo enquanto grau de arbitrariedade e contingência no campo da produção e reprodução de vida. E se o território arquitectónico se expressa enquanto materialização de um desejo criador, surgem então em articulação duas tendências produtivas animais: por um lado, um impulso territorializante que determina as condições de criação de blocos de sensação; por outro lado, um impulso desejante que cria as condições de apreciação de blocos de sensação. O impulso criativo coreografa-se em função de uma erótica do corpo, do espaço, da matéria e da sua expressão: assim, assim que surge na cena animal o desejo, surge como correlato a arte. 

3. 
O devir queer de um sujeito homossexual ocorre quando este traduz uma orientação existencial ("eu favoreço corpos do mesmo género") na rejeição de uma situação abstracta ("eu não pertenço a esta economia simbólica e reprodutiva"). É neste momento que se estabelece um horizonte teórico e político para a existência homossexual; dos impulsos sexuais e afectivos deriva-se uma máquina de abstracções e pulsações que opera sobre a tessitura de uma ordem socio-política quer no plano da socialidade, quer no plano do inconsciente. Esta não-pertença simbólica e reprodutiva não tem matrizes fixas e determinadas que possamos identificar de forma a-histórica e transversal, mas se lhe atribuirmos a sua própria coerência levantam-se problemas óbvios: não pertencendo a uma economia simbólica e reprodutiva, o corpo queer tenderá a ser aquele que perpetua as problemáticas dessa economia em vez de as resolver a favor da sua continuidade. Nesse sentido, o corpo queer dificilmente será funcionalista ou futurista: a sua existência sexual é determinada pela a-reprodutividade, não se podendo por isso introduzir passivamente em esquemáticas semióticas e materiais de continuidade histórica e biolótica, e assim que isto é posto em causa o próprio estabelecimento de um futuro diverge do estabelecimento do Futuro enquanto derivado da História, emergindo antes o modelo mais modesto de uma estória. Aqui surge o espaço de uma afirmação. 

4. 
Uma afirmação multifacetada e densa do desejo acima e além da reprodução, perturbando protocolos reprodutivos - de corpos e da História - a favor da autonomia substantiva da manifestação erótica, seja ela na forma do sexo (ou outros campos de desejo...), seja ela na forma da arte (ou outros campos de expressão). Uma arte queer não consistirá tanto na representação da homossexualidade enquanto "conteúdo" - não só porque tal representação ao nível do conteúdo não implica a extinção do impulso heteropatriarcal no plano da forma, mas também porque já vimos que temos motivos fortes para suspeitar de qualquer empreendimento de "representação" - mas na expressão de força de uma disrupção de economias historicamente determinadas e determinantes, uma disrupção que só acontece quanto o próprio sistema de representação entra em crise figurativa e, tal como se condensa e intensifica o desejo, se condensa e intensifica a forma também. Só aí emerge a autonomia de um erotismo que excede a heterofuncionalidade e o positivismo patriarcal; só pela forma se consegue o devir queer da expressão artística, para lá das estruturas coercivas conhecidas. 

5.
E é por essa afirmação entre outras coisas que eu gosto tanto do trabalho do Luís, e estou feliz por ser seu amigo. Espreitem o "Voilá! Architecture Manifesto" e vejam ainda o seu portfolio.

16.2.14

pacientes

Temos uma série de afazeres. 


Escutamos os especialistas. Tomamos a nossa medicação. Pagamos a terapeutas. Desabafamos desacordos. Montamos, harmonizamos e destruímos. Atentamos a terapeutas e técnicos vários e a  outros favores e a outros terrores. Introduzimos no corpo novas partículas potenciadoras da produção de suor, gozo, fôlego, alívio, motivo, amizade. Fabricamos da fissura fábulas mais e menos sofisticadas e sinceras, de acordo com os nossos poderes e competências. Calamos e cantamos as nossas faltas, alienações, malhas e torsões de acordo com uma técnica e uma expectativa. Entendemo-nos, enquanto analistas improvisados do áspero, com o espaço vazio e os vultos fortes do seu perigo, ciso, poder, partido, extremo e plasma. Navegamos toda a tecnologia do  nome do trauma e da natureza da aura que o peito inflamado inflinge sobre si próprio e mesmo sobre o trato agora apagado do outro. Dói-nos a cabeça e o dever. Atrapalhamo-nos nos nossos trabalhos terapêuticos e tramamos o processo, o progresso e a pessoa. Medicalizamos a matiz dos nossos orgãos e acidentes, dos dentes às quedas e das quebras aos dedos. Arriscamo-nos a acordar outra vez sem sopro, pele, fala, sede, porto ou mesmo sem o verso virtual da presença latente do corpo-outro em todos os seus aros e aparos e ouros. Descemos do nome e tentamos a nódoa. Rimamos perdas e poemas na cadência da respiração e na cedência ao corpo do seu conhecimento da pauta dos nossos problemas. Aprendemos que na letra do osso a cor é valor de posso-ou-não-posso. Adormecemos submedicados e mal-sustentados e dormimos sós ou saturados ou moles ou marcados nas mãos com dor e dó e erro e pó. Esculpimos solidões e lassidões e lucidezes de acordo com os humores dos nossos esqueletos em relazão à estranheza e beleza do mais e do novo e do outro. Dobramos as costas contra tudo se nos disserem que estalamos então o carácter até ao alívio da pressão constante. Namoramos diferentes dados, mágoas, músicas, dádivas, escapes, águas.  Desenhamos arquitecturas provisórias em tabelas rascunhadas com arcos improváveis e matérias mais fáceis. Respiramos fundo o rasgão para o conter na parte baixa dos pulmões durante tempo o suficiente para que sejamos ainda palpáveis e possíveis enquanto pessoas, nexos, presenças, eixos, poderes, versos. Destruímos a destruição e tocamos a canção ao contrário e sem refrão. Falamos as nossas lacunas ao ponto de as tornar tangíveis no palrar da pele, no topo da mesa, no sítio do traço, nos trapos da fala, no tempo e no espaço. Acordamos arbitrariamente ora num ora noutro corpo, e respondemos como formos capazes. Recuperamos e rompemos e recuperamos de novo do rasgão a reparação da rima e o método que melhor mima a verdade, o peito, a mansidão, a calma, a melhoria, o valor, o respeito. Lambemos as pontas dos dedos por nos cheirarem de repente a opção e abertura. Fazemos as edições necessárias. 


Vamos andando.



6.2.14

proposta: projecto: afectos [final]

apresentação de uma proposta de projecto que tenho tentado pôr a circular, sem grande sucesso. quem tenha interesse nas relações entre política & emoção; femininidade & afectos; afectividades LGBT; relações entre o pessoal & o político; críticas anti-psiquiátricas, queer & feministas; estudos da emoção:  entrem em contacto! objectivo: formar um colectivo de intervenção crítica/política/criativa.

*s

PROPOSTA: PROJECTO: AFECTOS.
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i. Apresentação.

Estás Deprimido? Talvez seja Político! [1]

Os afectos importam, quer sejam positivos, quer sejam negativos. Temos de nos posicionar contra a imposição normativa da "felicidade" e procura conhecer e construir uma estória mais plena das nossas vidas afectivas, nas suas dimensões públicas e políticas. Convivemos com índices internacionais de felicidade; quantificações científicas da satisfacão; teorias "objectivas" do afecto modeladas a partir da teoria quântica; pilhas de livros de psicologia pop a instaurar o pensamento positivo enquanto imperativo psíquico. Estruturas inteiras apressadas na ansiedade de garantir que dizemos que sim, que sorrimos, que estamos satisfeit*s e sossegad*s, independentemente das nossas realidades subjectivas e sociais. Temos de transtornar estas forças sociais de normalização. Não interessa viver numa cultura de caras contentes; interessa viver numa cultura de corpos completos. Urge respeitar e afirmar todo o espectro da experiência, sabendo que para tal falta produzir certos conhecimentos, espaços, registos e textos.

E urge em particular conhecer o pleno sentido e efeito dos nossos afectos negativos. No contexto da crise económica actual, fazem-se quantificações frequentes, actualizações estatísticas constantes, índices nacionais e internacionais: a economia quantifica-se, contabiliza-se. E esse mesmo tipo de contas diz-nos de índices mais elevados de suicídio e de sintomas depressivos em diversas populações ocidentais no contexto da crise económica. Claramente, da crise social deriva uma crise subjectiva. Infelizmente, há coisas que o psicopatológico percepciona - e materializa no corpo - com mais lucidez do que o psiconormativo. Infelizmente, o corpo em crise é a expressão mais brutalmente honesta da situação económica e política que vivemos. E quanto a isto, é-nos dito que sejamos pacientes, optimistas, positivos e racionais.

Esta imposição da afectividade positiva é um mecanismo de domesticação na gestão da cidadania contemporânea. Comunica que o afecto negativo é pura e simplesmente um fenómeno da ordem singular da subjectividade de cada pessoa, pessoa que pode e deve silenciar, suprimir e transcender esses afectos. O psíquico é um problema privado e não público, um problema pessoal e não político. Resulta que o sujeito em crise, e o sujeito psicopatológico em particular, está isolado (e não articulado) e o seu problema é individual (e não colectivo). Mas todas as estruturas mentais derivam de estruturas materiais: são sintomáticas delas e somatizam circunstâncias de vida e sistemas de poder. O mental é material e o individual é colectivo. A depressão é um facto político. Todo o afecto é um facto político.

Contra o imperativo coercivo do positivo, importa produzir arquivos da raiva, do desespero, da impotência, da perda, do luto, da desistência, da exaustão... Importa constituir uma memória colectiva que rompa com o mar-de-rosas que certas construções normativas pretendem forçar sobre a nossa experiência, sendo que esta memória é uma forma essencial de partilha pessoal e uma força estratégica de acção política. Isto porque o subjectivo é sempre sintomático das estruturas sistémicas das nossas vidas. As emoções comportam lições quanto às nossas circunstâncias sociais, políticas, económicas. Os afectos podem e devem ser instrumentalizados enquanto ferramentas de diagnóstico político.

Este projecto visa colocar os afectos no plano do espaço-público e estimular em torno dos mesmos práticas de pensamento colectivo, de partilha crítica, de criatividade productiva. A ideia é procurar potenciais de crítica e criação através de uma série de intervenções que 1) coloquem o pessoal enquanto problema público, 2) politizem o discurso em torno dos afectos, 3) afirmem o espectro total da experiência afectiva, 4) respeitem e representem afectos negativos, 5) demonstrem as potencialidades políticas da afectividade negativa, 6) explorem as múltiplas relações entre o pessoal e o político e 7) entre o material e o mental; 8) elaborem os nossos conhecimentos do emocional e do mental e 9) nos capacitem com novas formas de auto-representação (privada e pública) e acção (pessoal e política) - isto para indexar apenas algumas motivações e algumas possibilidades.

As propostas específicas que se apresentam aqui são, especificamente:

1) Arquivo Queer. Vídeo-arquivo de testemunhos pessoais em torno de afectos negativos com um papel significativo na experiência LGBT contemporânea em Portugal.
2) Grupo de leitura. Grupo de leituras teóricas e técnicas em torno de textos que coloquem a problemática do afectivo, da psiquiatria à poesia e da filosofia à política.
3) Colaborações críticas. Parcerias com diversas entidades, académicas e não, que capacitem a produção e partilha de conhecimentos do afectivo, cruzando o científico com outros saberes.
4) Oficinas criativas. Espaços de estímulo ao trabalho criativo em torno do afectivo, articulando teoria, autobiografia, e criatividade, explorando uma potética / política dos afectos.
5) Dia Internacionaldos Politicamente Deprimidos. Apropriação desta iniciativa do Feel Tank Chicago - uma de manifestação sentimental, politicamente paródica.

Finalmente, deixo algumas notas sobre o projecto que serve de modelo principal para esta iniciativa; o Feel Tank Chicago.

...E não sei que título dar a isto. Não desgosto de "Projecto Éris" (deusa grega da discórdia e entropia, feia e renegada, produtora de caos; nome de um planeta vizinho do sistema solar; a palavra derivada "erística" designa a arte da disputa argumentativa na filosofia clássica, ao ponto da distorção da lógica e do raciocínio). Mas não sei. Éris parece-me demasiado... sóbrio. Não sei.

Obrigado por lerem! *

 * 

ii.  Algumas Intervenções

1) Arquivo Queer: Construir um arquivo afectivo de sujeitos queer que relatam, e reflectem sobre, experiências emocionalmente negativas. Uma colectânea de vídeos de cerca de 10 minutos cada um, actualizada regularmente. Apresentar a determinado sujeito uma série de rubricas-chave, das quais seleccione uma, a partir da qual este coloca uma problemática/conta uma estória/lança uma linha de interrogação/o que seja, sembre na articulação do autobiográfico e do crítico; sempre na articulação do privado e do público. Estrutura e estilo de testemunho/confessional. Um critério parcial de selecção: alguma atenção dada a artistas/activistas/académicos: àqueles que se posicionem como catalistas dos conhecimentos e realidades da comunidade LGBT; mas é um projecto potencialmente aberto a todos, de acordo com critérios que se irão aprendendo. Deixo uma proposta inicial de rubricas-chave, todas as quais procuram identificar estados emocionais potencialmente significativos para a construção um discurso biográfico/crítico queer, de uma memória colectiva LGBT das pressões que sentimos e das perdas que vivemos:


aborrecimento    agressividade    agitação    alienação    ambivalência    ansiedade   apatia    arrependimento    cobardia    culpa    depressão    descontentamento    derrota   desespero    desinteresse    desilusão    destruição    dúvida esgotamento    fealdade   estupidez    exaustão    inconsciência    incapacidade    inveja    impotência   isolamento    letargia    luto    medo    náusea    negligência    nojo    ódio    pânico   paranóia    perda    prisão    raiva    rejeição    ressentimento    silêncio    tensão   vazio    vergonha.
  
Para quê?
                     Para potenciar e agilizar partilhas entre pessoas LGBT, construindo sentidos partilhados da sua experiência comum; sentidos de paralelos entre experiências, e subsequentemente, sentidos de pertença.
                     Para desmistificar as separações entre o privado e o público, demonstrando o que há de social no subjectivo e o que há de colectivo no individual.
                     Para perceber as dimensões políticas da experiência e da emoção, expondo que o campo do pessoal é um campo de inscrição do político e explorando as relações entre estados mentais oprimidos e estruturas materiais opressivas.
                     Para contrariar discursos que pretendem negligenciar as dimensões do negativo, através de um imperativo que impõe a legitimação do pensamento positivo, mesmo quando este falha e falsifica a nossa experiência.
                     Para produzir um diagnóstico incisivo (porque íntimo) e eficaz (porque afectivo) da situação social LGBT actual, através do registo das múltiplas dificuldades, perdas e impossibilidades que ainda a caracterizam.
                     Para romper com uma homonormatividade que propõe que os avanços nos enquadramentos legais da nossa experiência significam a integração social e integridade psíquica da comunidade LGBT, demonstrando e defendendo as experiências/emoções/identidades silenciadas por estes discursos.

*

2) Grupo de leitura: Estabelecimento de um grupo de leitura em torno de temáticas psiquiátricas e psicológicas, com foco na psicopatologia, explorando diversos campos textuais, incluindo 1) o cânone teórico anti-psiquiátrico, 2) as teorias contemporâneas dos afectos e 3) várias poéticas dos afectos. Trabalho colectivo de interpretação e reconstituição dos sentidos dos afectos, numa relação crítica (até céptica) com os mecanismos sociais-médicos pelos quais a psiquiatria e a psicologia legitimam a autoridade das suas interpretações do corpo, da subjectividade, da emoção e da cognição. Desenvolvimento de uma literacia alternativa; de uma maior sofisticação crítica no entendimento dos afectos que transtorne e transcenda o senso-comum e/ou a ciência. Literacia técnica, passando pelo reconhecimento e conhecimento das categorias operacionais nos discursos psiquiátricos e psicológicos dominantes na contemporaneidade. Literacia teórica, passando por trabalho especulativo que cruza saberes subalternos e que cruza e confronta as estruturas da psiquatria e da psicologia com outros regimes discursivos - artísticos, autobiográficos, antropológicos, políticos, filosóficos - que lhes sejam contrários e complementares.

Alguns pontos de partida provisórios: Gilles Deleuze, Félix Guattari, Sigmund Freud, Eve Kosofsky Sedgwick, Lauren Berlant, Ann Cvetkovitch, R. D. Laing, Theodore Lidz, Silvano Arieti, David Cooper, o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), o CID-10 (Catálogo Internacional de Doenças Mentais)...


Para quê?
                     Para potenciar conhecimentos que se mobilizem quer dentro, quer fora dos regimes científicos dominantes que determinam entendimentos comuns do mental, do subjectivo e do afectivo, cruzando diversos domínios de conhecimento e produção de sentido.
                     Para capacitar sujeitos psicopatológicos a um auto-entendimento crítico, em que se autonomizam enquanto sujeitos de conhecimento das suas experiências, necessidades, características e potencialidades - em vez de se submeterem a serem passivos objectos de conhecimento da autoridade institucional.
                     Para compreender o papel e natureza do psíquico em vários dos nossos meios de representação, incluindo as diversas ciências sociais, os media e as artes, interpretando e criticando a imagética que se constrói em torno do sujeito psicopatológico em diversas tradições ocidentais.
                     Para desestabilizar e desenvolver o sentido da psicopatologia, quer compreendendo os usos e nexos desta categoria cognitiva/afectiva, quer pondo em causa as dimensões em que possa falsificar a experiência, constrangindo a possibilidade de acção individual, oprimindo o sentido que o sujeito tenha de si próprio, e despolitizando diversos aspectos da experiência subjectiva.
                     Para mobilizar a psicopatologia enquanto potencial ferramenta de diagnóstico social e político, sintomática de estruturas materiais e simbólicas passíveis de crítica a partir dos termos da própria doença mental; para compreender o que o olhar psicopatológico percepciona mais eficazmente do que o olhar psiconormativo.

*

3) Colaborações críticas: Criar parcerias com diversas entidades, para colaborar na construção de novos conhecimentos do plano dos afectos e de discussão pública da problemática do pessoal. Aproveitar o trabalho já realizado por diversos indivíduos e colectivos em torno das questões que preocupam o projecto, articulando-o de novas formas (p. ex., com o de outros indivíduos e colectivos ou em espaços em que normalmente não circulam), e incentivar novos processos de reflexão e discussão (p. ex., convidar activistas a pensarem e partilharem posições em torno do afectivo). O vínculo a determinadas entidades (p. ex. a FLUL, a UMAR) também facilita uma certa legitimação do trabalho feito e  a criação de um determinado público que seria difícil de garantir avançando sem esses suportes institucinais.

Possível colaboração 1): faço parte de um colectivo recém-formado chamado Krisis & Poesis, baseado na FLUL, que se propõe a trabalhar o conceito de crise em diversas vertentes, através da reflexão académica e da interpretação de determinadas produções artísticas e documentais. Estamos a preparar, para 2014, um ciclo de conversas. Molde: dois especialistas convidados (académicos ou não), um objecto específico de discussão (um documentário, um filme, um texto, etc). Colaborar com o Krisis & Poesis na organização de um evento sobre crise social & crise subjectiva, que articule relações entre o material e o mental e problemáticas psicológicas com problemáticas políticas. Título provisório: O Sujeito Em Crise.

Possível colaboração 2): comunicar, através da UMAR, com investigadoras que trabalhem directamente ou indiferectamente questões do feminino e do afectivo, de um ponto de vista sociológico/histórico/antropológico/filosófico, etc. Organização, com a UMAR e na sua sede, de um ciclo de conferências/conversas sobre as relações codificadas entre o emotivo e o feminino (trabalhar termos insistentemente articulados em torno do corpo feminino, como: o privado / o corporal / o sensível / o emocional / o irracional, etc). A Teresa Joaquim (Universidade Aberta), no livro "Menina e Moça: Construção Social da Feminilidade, séculos XVII-XIX" (Fim de Século, 1997) tece algumas notas de interesse sobre o feminino / o corporal / o sensível; de resto, não tenho para já mais referências. Título provisório: Mulheres & Emoções.

Possível colaboração 3): organização de uma conversa - ou ciclo de conversas; dependerá da riqueza do tema para desenvolvimento, e da disponibilidade das pessoas - em torno de activismo e afecto: exploração pública do material emocional de que o activismo é feito e que o activismo tem como efeito; consideração das condições subjectivas do trabalho político; explicitação dos posicionamentos políticos enquanto posicionamentos pessoais; entendimento da implicação política do pessoal e da implicação pessoal do político. Um primeiro convite a fazer: às Panteras Rosa (tal articular-se-ia com o Arquivo Queer, e com a participação de algumas Panteras no mesmo). Espaço por determinar: será o RDA uma opção?  Título provisório: O Político é Pessoal. Outra opção, próxima desta: sobre os efeitos fisio- e psicopatológicos da precariedade, com base na medicina e psiquiatria. Título provisório: Corpos Precários.

Para quê?
                     Para construir conhecimentos do afectivo, do pessoal e do psicopatológico que se constituam no cruzamento de uma multiplicidade de discursos, memórias, experiências, enquadramentos e percepções, complementado (e quando necessário, contrariando) as definições técnicas e teóricas do discurso psiquiátrico e psicológico.
                     Para comunicar esses conhecimentos para lá de contextos exclusivamente académicos, potenciando os usos não-académicos de conhecimentos que se produzem dentro e fora das linhas do científico.
                     Para reconhecer o pessoal enquanto fenómeno público, reconhecendo-lhe o cariz social, histórico e político: legitimar o pensamento colectivo e colaborativo de materiais biográficos e matérias emocionais.

*

4) Oficinas criativas: Criar espaços de estímulo à prática criativa que insistam num pensamento crítico e numa imagética alternativa em torno das questões da psicopatologia, da afectividade, da corporalidade e da subjectividade. Estímulo da inscrição dos afectos (autobiográfica ou não), em moldes teoricamente e formalmente experimentais, passando pela reflexão crítica aprofundada das emoções e pelo jogo com as formas do artístico, do crítico, do autobiográfico, do académico, e por aí fora. Estímulo às práticas da representação crítica e da auto-representação e à construção de arquivos afectivos, individuais e colectivos.

Exemplo 1): oficinas de escrita criativa que proponham a sujeitos não-psicopatológicos escreverem sobre a psicopatologia, criativamente e criticamente (ou ambos) ou mesmo a sujeitos psicopatológicos escreverem sobre a psicopatologia, autobiograficamente, criativamente ou criticamente (o mais interessante será sempre alguma articulação desses regimes diferenciados; esta articulação seria uma insistência do projecto).  No que toca à segunda vertente: aponto que o hospital Santa Maria tem uma clínica de dia, um serviço de internamento psiquiátrico parcial, que incorpora diversar práticas psicoterapêuticas de cariz criativo; um convite ao mesmo para uma colaboração podia ser considerado.

Exemplo 2): separadamente ou mesmo na sequência da organização de um ciclo de oficinas de escrita criativa, uma sessão de leitura de textos literários e autobiográficos em torno de um dos estados afectivos chave do projecto (por exemplo, "depressão", "luto" ou "raiva").

Exemplo 3): mais uma vez, separadamente ou mesmo na sequência da organização de um ciclo de oficinas de escrita criativa, produção de uma edição temática, colectânea de registos criativos-afectivos em diversos registos formais e temáticos - ou mesmo de uma série de colectâneas diferentes, articuladas dentro de uma série, definidas por temas individuais (conceitos-chave/afectos-chave). Vias: publicação tradicional através de uma publicadora independente; publicação gratuita online (estabelecimento de um site, produção de um .pdf) e/ou publicação caseira (encadernação amadora).

Exemplo 4): organização de uma exposição fotográfica ou de expressão visual de outra ordem em torno dos afectos-chave, em que os artistas participantes colaborem numa discussão colaborativa em torno dos conceitos-chave/afectos-chave do projecto, num processo de reflexão colectiva; curadoria e apresentação critica/teórica da mesma a cargo do projecto.

Para quê?
                     Para capacitar a auto-representação de sujeitos psicopatológicos, através de todas as linguagens criativas e críticas a que possam recorrer para melhor responder às suas experiências.
                     Para incentivar a representação pública de diversos afectos, em particular quando estes são articulados criticamente, com atenção às suas dimensões públicas e políticas.
                     Para explorar as relações entre estética e emoção; ou mesmo para pensar qual, historicamente e agora, a estética de cada emoção, reconhecendo e explorando a forma como determinados afectos estão codificados em determinados tipos e estereótipos de representação.
                     Para facilitar a constituição de arquivos afectivos, ou seja, de uma memória colectiva de determinadas experiências afectivas que, pelo meio da expressão criativa, podem ser articuladas enquanto transversais a diversas posições subjectivas - colocadas enquanto socialmente significativas.

*

5) Dia dos Politicamente Deprimidos. Celebração, em Portugal, do Dia dos Politicamente Deprimidos - uma invenção do Feel Tank Chicago (um grupo de pesquisa e intervenção política americano em torno de questões de afecto, composto por artistas, académicos e activistas) que visa compreender e afirmar as dimensões públicas e políticas da depressão: perceber como a depressão é, parcial se não totalmente, sintomática de um sistema económico e social em crise - ou seja, que a crise subjectiva deriva de uma crise social. E como se dá expressão a isto? Wikipedia: "deram-se instruções aos participantes na manifestação para que aparecessem de robe e chinelos, trouxessem medicação, e qualquer forma legal de auto-medicação que tivessem". A Ann Cvetkovitch elabora um pouco em "Depression: A Public Feeling" (2012):

"(...) o Feel Tank tem operado com o humor extravagante que poderíamos esperar de um grupo de queers experientes no activismo, organizando um Dia Internacional dos Politicamente Deprimidos, ao qual os participantes foram convidados a aparecer nos seus robes para indicar a sua fadiga com formas tradicionais de protesto, distribuindo t-shirts e imãs de frigorífico com o slogan Estás Deprimido? Talvez Seja Político!. O objectivo é despatologizar emoções negativas para que elas possam ser capacitadas enquanto recurso para a acção política, e não a sua antítese. Isto não equivale, no entanto, a sugerir que a depressão é no processo convertida numa experiência positiva; ela retem as suas associações com a inércia e o desespero - embora não necessariamente com a apatia e a indiferença - mas estas emoções, disposições e sensibilidades tornam-se focos de possibilidade de espaço público e formação de comunidades".

Uma iniciativa para quando já estivesse consolidado algum trabalho e se conseguisse juntar pessoas.


Para quê?
                     Para articular o pessoal e político, demonstrando as implicações psíquicas das condições que caracterizam o sistema socio-económico actual, registando (ainda que parodicamente) os impasses, bloqueios e desvios afectivos que caracterizam a experiência da crise actual; para comunicar que a precariedade é um fenómeno duplamente económico e emocional.
                     Para articular colectivamente a problemática da depressão, tornando claro que não é do foro de uma singularidade inalienável, mas sim uma categoria médica geral que descreve e organiza em conjunto uma série de experiências de diversos sujeitos que podem, e talvez devam, procurar partilhas e, em conjunto, capacidades.
                     Para articular politicamente a problemática da depressão, tornando claro que esta categoria da experiência psíquica é socialmente construída (e que subsequentemente pode ser socialmente reconstruída e/ou desconstruída); para tomar o sentido da mesma nas nossas próprias mãos, tirando-a das mãos da psiquiatria/psicologia enquanto instituição autoritária e ressignificando-a colectivamente.
                     Para perturbar o imperativo coercivo da "privacidade", cujo afecto-chave é a vergonha, que comunica ao sujeito que há emoções apropriadas e inapropriadas para a expressão pública: romper com todo um sistema dominante de higiene dos afectos.

*

iii.  Sobre o Feel Tank Chicago

O Feel Tank Chicago é um projecto norte americano que trabalha as dimensões públicas e políticas do afectivo. O grupo - que tem as suas origens no projecto "Public Feelings", por sua vez uma parte do projecto "Feminism Unfinished" - consiste em artistas, activistas e académicos organizados no trabalho de pesquisa e activismo em torno de questões das emoções e sensações. Premissa: que as esferas públicas são cosmos afectivos; que qualquer compreensão do social passa por uma compreensão do subjectivo. Foco particular em afectos negativos, justificado pelo fracasso do sistema de representação política norte-americana em capacitar sentidos positivos de participação e cidadania; em contra-ponto, apresenta os afectos negativos enquanto frequentemente sintomáticos das crises e disjunções do tecido social e político. Fundadoras: Lauren Berlant (teórica cultural), Debbie Gould (socióloga), Mary Patten (artista), Rebecca Zorach (historiadora).

Algumas iniciativas do projecto:
                     Organização da parada do Dia dos Politicamente Deprimidos (2003-2007).
                     Conferência "Depressão: Para que é que serve?" (Universidade de Chicago).
                     Série de exibições: "Pathogeographies, Or, Other People's Baggage" (Chicago).
                     Feel Kit: um glossário crítico de afectos.

5.2.14

os sonhos secos de dia 25




abril? 

abril que se instala simultaneamente no cerne das carnes de tantos circuitos imagéticos mais e menos mainstream ou radicalizados, mais e menos poderosamente politizados; o grande rasgão metafórico na tecitura da pobreza democrática que reveste o corpo histórico do nosso país, que contra toda a probabilidade e pessoa ressoa: "possível, possível outro poder, possível o contra-poder". mas não me sai da cabeça, é uma fixação mesmo, a frase do coronel galvão de melo: "a revolução não foi feita para prostitutas e homossexuais". e seria fácil falá-lo como artefacto arcaico de um complexo masculino-militar, mas como tratar isso como capricho se é esse mesmo complexo masculino-militar, o próprio poder pragmático de uma profissão patriarcal, que fez a revolução; são as suas espingardas a substância dos nossos poemas de abril, quando dentro delas largamos os cravos: o corpo de abril é a de um macho bélico e butch que contra-ejacula flores. as putas e os paneleiros que colham o cravo no colo da saia, silentes e longínquos; os silêncios de abril são os silêncios de sempre: servem para calar as pétalas do seu contra-poder. abril não pinta os lábios, não dá o cu, não tem cona. resta então inventar contra-história: parir a outra política para abril (pela ponta do pau contra-ejaculante, pela palavra concreta de uma puta), para potenciar outra poética: cantar tanto o cravo como a cona; escrever tanto a espingarda como o pau estranho. 

& acho que esse é um dos meus trabalhos.



2.1.14

copper girl // miúda-cobre

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22/11/2013 + 01/01/2014


[EN + PT] copper girl // miúda-cobre.  
poema-puta & poema-paneleiro //

// g. hocquenghem, k. hanna, d. wojnarowicz, k. acker... //

 // for fags & for feminists.
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copper girl
"any appearance of the individual heart
is a political occurrence."
-- kathy acker

"the revolution did not happen 
for the sake of prostitutes and homosexuals."
-- colonel galvão de melo

1.

caffeine starcluster of morningache and out of bed and right into boyhood right to rip it sunrise: much milkred: hatred sent. a book incidental & pierced sentimental: she is rather good. today twinkpunk blocks of roving queers flock to the corpse of a geometry because she said so. says to them: "it has teeth to better test your flow so you best preserve your lucifer shreds on silver platter, so as to provide them poison-like to the luminous presences of manpower and mandible. also, fuck everything but the burning heart."

2.

goes to best spot to create her scene, left eye clouded to shitstorm again. has done away with drafts of father's discourse: that which is word for shit and fear which is word for falter; out with that which is word for. destroy: daddy stem, cut cut men as in, cut shit and cut death down. shouts: "if your body has not torn its nerves open to then find its black cores marble-cracking on street paved with impatience and the stomach-turned populations of these skins then you need to shut the fuck up about who i give my body to."

3.

other-girl hears the good news and adds: "also, best pay attention to the licking of the flame. desire is harsh; tends to sway way past waste the page and onto wake the wind up to you. and though we differ on politics and mother-parts, on skins and their counter-parts too, this map is still clear as a scream as a sigh."

4.

note then that the precariousness of brown punctures rest-assured her fight monotone; a manyforced piercing is required to even start making sense of this and rage is a start and perception and favour to self. demanding retribution, dearth now blooms for most plus: manifesto for pretty boys breaks through. blast powers, black powers, non-powers trickle.

5.

meanwhile carnation conservatives silence fag and whore in favour of phallic their communal, such bullshit. she come counter the sound of their ripped mouth pundits with a live rendition of chipcore porn so as to delete their redundances: this is not diplomacy: his cunt has claws deep in it. because yes, going back to portugal she chose to be a boy for another nine months and his mouth was then full of powers and needs; this boy with shades of dick for every circumstance, face and papers summer-bruised, steps on mouth much with want faster than fall: so violent.

6.

fades to four-minute slut so as to crash their cuntcracker complex. turns to crowd of clash-lips: "so pretty you, all you girls so abyss goliath: so ready to gorge. am grateful for sex, friends and failure as i sit and drink little fennec's phoenix piss so as to harness heart & fist." lips licked, having not very eagerly hummed notes on the ego, she adds "basically, now that it's safe to say that high art equals low bass, i expect most quarrels of the cunt to come forward all clever and leporine, tumbling and laugh-like."; various unserious things ensue.


7.

other girl back to a joy and a jag, cries "kisses to you who are false and fun, kisses to the death of the very unworth of whatever works one-way". like copper girl and like any fag, her belly so full of burst the latent, the liquid consistency of riot and of rip it. there goes the rythmic art of ragged laugh for the just-right tone of her red act; there goes the she-gorge-too to grasp the loss of rabid possibility: a poem about rage.

8.

rage which wrecks the nerve forever in the after-may of the fawns.


9.

rage so that lacks die out & good morning, gorgeous.
miúda-cobre
" qualquer aparição do coração individual
é uma ocorrência política."
-- kathy acker

 "a revolução não foi feita 
para prostitutas e homossexuais."
-- coronel galvão de melo

1.

cacho estrelas cafeína de dor matina e cama fora fuga directa ao ser-rapaz + directa ao rasgá-lo alvorada: muito o leite encarnado: ódio enviado. um livro incidental & perfurado sentimental : ela é bastante boa. hoje blocos twinkpunks itinerantes de paneleiros colhem o cadáver de uma geometria porque ela assim ditou. diz-lhes: "tem dentes para melhor testar o vosso curso por isso, isso: preservem os vossos pedaços de lucifer em bandeja de prata, de modo a proporcioná-los tipo-veneno às presenças luminosas de mão-de-obra e mandíbula. & mais: que se foda tudo que não o coração ardente."

2.

segue ao melhor lugar para criar a sua cena, olho esquerdo de novo aceso à merda-tormenta. despachou os rascunhos de discurso do pai: aquilo que é palavra para merda e medo que é palavra para falhar, fora com aquilo que é palavra para. destruir: o caule-pai, cortar-cortar homens, tipo cortar com a merda e cortar com a morte. grita:  "se o teu corpo não rasgou os nervos para encontrar os seus núcleos negros mármore-quebrantes na rua pavimentada com impaciência e as populações de estômago torneado destas peles então precisas de calar a merda da boca sobre a quem dou o meu corpo".

3.

miúda-outra ouve a nova e adiciona: "também é melhor prestar atenção ao lamber da chama. o desejo é duro; tende a partir para lá de desperdiça a página e ao despertar da vento a ti. e apesar de diferirmos nas nossas políticas e partes-mães, peles e contra-partes também, este mapa é ainda assim claro como grito calmo como suspiro."

4.

notar então que a precariedade das cores pontua assegurada a sua monótona luta; um perfurar multipotenciado é necessário para começar sequer a fazer sentido disto e a raiva é introdução e percepção e favor à própria. exigindo retribuição, a falta floresce agora para a maioria e mais: desbloqueia o manifesto do belo miúdo. poderes-rajada, poderes negros, não-poderes rasgam caminho.

5.

entretanto conservadores do cravo suprimem paneleiro e puta a favor de fálico o seu comumal, merda total. vem ela contra a canção dos seus peritos boca-partida com chipcore-porno versão ao vivo, de modo a apagar os seus abatimentos: isto não é uma amabilidade: a cona dele tem garras de fome bem fundo. porque já de volta a portugal ela vira rapaz por mais nove meses, a boca então cheia de poderes e pedidos; este miúdo com tons-sombra de pau para cada composição, rosto e papéis em nódoas de verão, pisa boca muito com afecto ainda mais apressado que a quebra: tão súbito.

6.

passa a puta quatro-minutos para quebrar o complexo colapsa-conas deles. vira-se à multidão de lábios-conflito: "tão bonitas vocês, todas vocês miúdas tão abismo-golias: tão abertas a devorar. devo muito à foda, amigos e fracasso enquanto me sento e bebo mijo-fénix de raposa-menor para postular peito & punho." lábios lambidos, tendo não muito convencida cantarolado notas sobre o ego, acrescenta: "basicamente, agora que é seguro dizer que arte-maior equivale a baixo-menor, espero ver resolvidas a maioria das querelas da cona, vindas à frente vespertinas e leporinas, rolando e tipo-riso"; segue-se pouco de sério.

7.

outra miúda de volta alegre & entalhe, elogia: "beijos para ti que és falsa & divertida, beijos à morte do próprio não-valor do que possa verter por uma só via."como a miúda-cobre e como qualquer bicha, a sua barriga está tão cheia de rebenta o latente, a líquida consistência de motim e desmancha-o. aí vai a arte rítmica do riso rasgado para aquele-mesmo tom de acto encarnado; aí vai o engole-ela-também para captar a perda de possibilidade raivosa: sobre a raiva, um poema.


8.

raiva que pulveriza infinitamente o nervo no meu pós-maio dos faunos.

9.

raiva até à morte do bloqueio & bom dia, coisa bonita.

31.12.13

para anglo ver // for an anglo to see

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XX/12/2011, parede, portugal. edit.

[PT] para anglo ver. sobre partir paneleiro & português; sobre este corpo-nação deprimido. sobre um país e uma perda e uma não-pertença. & agora? está melhor.

[EN] for an anglo to see. on breaking faggot & portuguese; on this depressed body-nation. on a country and a constraint and an alienation. & now? it's better.

note: the portuguese idiom "for an englishman to see" dates from 1830; it originally refers to the public perception of legal changes in a then portuguese-ruled Brazil so as to prevent slave trade. it was commonly understood that these laws had no real import, no pragmatic impact, and that they served no purpose but to respond to the political pressures of the significantly more powerful British empire. the expression survives to this day to refer to just that: a projection, with no real import, no pragmatic impact. here, the clever cluster of historical truth of that small, colloquial expression is taken to the (personal, lyrical) letter. the use of the gender-exclusive "englishman" is intentional.

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para anglo ver.

1. podíamos fazê-lo assim: tu tocas guitarra de uma maneira lenta logo vagamente significante enquanto eu construo um discurso de ódio lento a este país, que é só maneira de construir amor & perda. parece-te bem? tu podes: ter um cigarro na boca e explorar uma variação de balada latina aborrecida e eu faço um ar céptico que é eu estar a tentar ter uma conversa outra vez. ou, podemos cagar completamente na vertente acústica-mediterrânica e assumir que tudo o que me explicasse fosse mais na linha de uma canção lenta de r'n'b com palmas sintetizadas em que eu encontrasse uma maneira ritmada, estúpida, leve de dizer: já não consigo dormir em cama nenhuma por não ter comunidade. à primeira que escrevo a palavra comunidade sai-me "continuidade": não está errado. 


2. agora, não preciso de fumar cigarros e imaginar a canção que tocas tanto quanto ouvi-la e dizer: não suporto a não-comunidade lacerada de paneleiros que não chegam a ser a, aquela, comunidade por vir: não suporto a falta de canções nos corpos desta terra, não suporto esta cidade desconhecer foder-se. não suporto a transfobia subtil (subtil?) que estrutura fiarmos uma estória do "nosso" a partir do outro lado do atlântico, não tanto para inglês ver como vermos-nos como americanos, e nem esses pobres coitados devem estar certos de querer ver-se como tal, quem pode estar? estou farto: de precisar que tu sejas o tipo de amigo que percebe que amar a língua é uma coisa que se instala no corpo e estraga e cria quase tudo & de precisar que sejas simultaneamente o tipo de amigo que sabe dançar comigo ao som de canções. ditas. estúpidas, sendo isso das poucas coisas que esta qualquer "comunidade gay" aprendeu & das poucas coisas válidas que viu, uma das poucas artes que percebeu.


3. comunidade que não aprendeu nada de real e completo, nunca cortado o suficiente, sobre querer e foder e fazer, mas que sabe dançar-se, o que é grande, e que é modo de dizer algo bem bom também & uma ética. digo, preciso de dançar tanto quanto preciso de amar a língua e preciso dos dois ao mesmo tempo. isto parece-me impossível num país que tem um corpo deprimido - quero dizer, num corpo-nação que tem falhas, sulcos graves e enormes e grotescos, que o impossibilitam de ser (mentalmente) ágil e bom; impossível num país que tem a língua partida - quero dizer, num corpo-país que não faz grande ideia do que seja amar falar & amar falar-se. ora, quando digo corpo-país na verdade quero dizer o território que tenho eu composto cá nos seus limites e através dos quantos corpos selectos que de que disponho & com os quais componho, mas não tenho outra maneira de vos contar a estória, nem consigo deixar de acreditar que esses territórios & esses corpos sejam este país de uma maneira muito própria e suficiente. a canção? tem devaneios vocais numa língua que desconhecemos (coreano?); a canção que tu tocas ou fazes ou cantas para mim, para eu poder falar, tem acrobacias vocais que me dão humor, bom humor para saber falar tudo isto. 

4. carta de amor a portugal: odeio-te, é impossível viver em ti, todas as lições que tenho no corpo sobre a impossibilidade de uma comunidade e a impossibilidade de uma língua e a impossibilidade de um trabalho da língua, ainda a impossibilidade de um corpo dançar (puramente, além) - são tuas. estou a pensar: em bichas transfóbicas que não querem ser chamadas "bichas" mas que hão-de estar bem em palavras piores para trans & estou a falar de um país que não sabe criar-se nem no momento de colapsar, que é das poucas formas de um corpo ir existindo no mundo - fazer-se mais quando desfaz. certo? estou a pensar: que não vou encontrar trabalho, maneira de dizer não vou encontrar obra, maneira de dizer não vou encontrar texto, da maneira que o meu corpo e a minha fala se vão fazendo um ao outro neste ou outro território. texto & dinheiro, sorri: este país - não, este território - não, esta comunidade - não tem nenhum dos dois. tudo o que se vincou nas bordas da nossa estória nós desaprendemos. somos portugueses & paneleiros inaptos para conhecer o armário e o corpo e a dança e fazer um arquivo, o começo do fiar de um arquivo sequer. já só podemos existir na conversa tida com um fantasma transatlântico, o que é um texto/dinheiro difícil de situar. tenho todas as conversas possíveis sobre a impossibilidade de viver aqui e permanece no entanto possível viver na impossibilidade de viver aqui. (apesar de ser impossível falar disto sem a tua canção por perto.)


5. estou sentado numa sala de estar confortável (tapetes giros) com um par de amigos ingleses que fumam muito e assim eu posso remover o meu corpo dele próprio o suficiente para falar do território que o fez. neste preciso momento, estou a pensar: em vozes que não são salazaristas nem racistas nem imperialistas nem xenófobas, "mas". estou a pensar: no meu avô falar-me a mágoa de não me ter aqui, de me ver ter de ir fazer o meu texto/dinheiro outrures - podes adivinhar que parte fala ele, e em que parte valho eu -, tudo porque este país adoeceu, foi desde de já sempre em tudo doente, e o meu corpo tem de descobrir um lance, uma diagonal qualquer outrures, já ali, outrures outra vez, tudo porque a classe média portuguesa está em bancarrota desde a nascença. a ideia do meu avô é que a democracia neste país não significa nada porque o povo não tem poder e que ao menos com salazar, reticências. o subtexto é, com salazar há competência. valores & princípios. e tudo o que isso quer dizer é que com salazar todos os corpos estavam instaurados em lugares seguros pelo medo e existíamos, pelos vistos felizmente?, pré-corrida & pré-modernos, antes da conversa transatlântica. os termos deste drama são: "competência" & "povo". 


6. ora não faço a mínima puta ideia de como começar a formular o que um povo seja; mas podemos pensar em corpos e territórios e a coisa pela qual corpos fazem territórios, nomeadamente a voz, que é como um pássaro desenha o seu espaço no mundo e sabe ser pássaro e fazer o seu passarar. isto deve ser de alguma forma a defesa pouco subtil de que possamos manter os nossos sonhos molhados de descobrir ter voz e sermos-portugueses com algo sequer próximo da competência de um pássaro e a sua capacidade definitiva, tão bela & bem-definida, de ser pássaro. sim sabermos ter ainda sonhos molhados neste território podia ser um começo. outro deslize: quero escrever sonhos molhados e escrevo corpos molhados. sei, nunca ninguém nada corpo ou voz me vai dizer bem-vindo sê teu corpo e voz aqui, este território é para ti, é teu. o que isto significa num sentido fundamental é que este é o meu território que é o de não ter território na medida em que os corpos, um povo, não têm a competência básica para fazer o desenho dele, que se consegue ao cantar e foder. neste ponto a canção que tu estás a tocar (tu que és tão bonito a tocar esta canção com tantas mãos quanto precises) já teve de se repetir algumas vezes. os ingleses são pacientes em ver-me (são grosso modo um corpo-nação paciente). apetece-me: dizer que esta é a língua mais bonita que conheço só porque é a possibilidade do meu corpo na história: de algum modo tenho de acreditar que isso valha o que vale. sei lá fazer isso aqui, saber este território assim. vou repetir a ideia do meu avô, ou a minha ideia dessa má ideia: que com salazar há valores e princípios porque todos os corpos estavam instaurados em lugares seguros pelo medo. agora todos os corpos estão fragmentados, em não-lugares & não-figuras, pelo medo. nenhuma lição que não o medo e nenhuma posição que não existir pré-historicamente. 


7. se volto a falar em foder? é como instância e metáfora para "dois" ou mais (por favor tantos quanto possam), "dois"-ou-mais corpos entrarem numa conversa e virem à existência traçando alguma coisa no espaço, descobrindo um território, que é um prazer & um poder. falá-lo como "foder" é tão importante como falá-lo como dança e canto e tudo leva ao mesmo e ao essencial; nalgum sentido fundamental, este território não sabe foder-se e, simultaneamente, não fez outra coisa na sua estória recente (baddam-tschh: tu páras a canção por segundos para efeito cómico/dramático: os ingleses riem-se. eles gostam desta estória e eu estou bem humorado porque estou a falar e a fumar e a beber muito, e a canção é perfeita porque é relaxada e superficialmente distoa em ser plástica e leve quando atinge exactamente o que eu preciso de sentir, que é por sua vez pesado & austéro. mas obrigado por isto,) obrigado por me ajudares a trazer isto à cena. os ingleses dão bafos nos cigarros e sorriem. é claro que fumam; são amigos meus, e tu também és. mas perco o fio a isto. cisão: estou contra uma comunidade falhada que rejeito, a de das corpos-bichas que apagam as partes incómodas de sempre, desviando sempre outros tantos outros corpos (femmes, trans, pretos, putas,...) para fora & para o feio para poderem vir à luz, legítimos, e fazerem a sua história neste território aprendendo dos pontos de vista de um sítio que que não este: somos todas americanas/masc/normais/pós-modernas. (o lugar da ética: o resíduo: ser português/femme/freak/pré-moderno.)


8. exactamente o mesmo sítio de onde eu falo quando o revejo e rejeito, o lugar limiar de um reflexo num espelho que não reconhecemos como tal. maneira de falar de em mim o sonho & fervor da comunidade por vir como lição sobre tantas outras comunidades para fazer aqui. menos obscuro: cansaço da ortodoxia de picha homossexual e os seus sonhos burgueses de revolução algures nas partes designadas de lisboa, cidade ambivalente quanto a foder, dançar, falar-se, e ser-se a si própria. réplica da má lição aqui que em todos os outros territórios está vista; o pior que podíamos ter extraído da conversa transatlântica sobre nós próprios, iluminando-nos sempre especiais nas partes mais pobres e obliterando o feliz desmantelamento, a falha brutal, que podíamos ocupar, e toda essa nova lição sobre o desejo: o que abre na história homossexual. tudo isto feio e dorido teria de ter sido no mínimo uma lição nova sobre o desejo para não me lançar ao desespero. & isto provavelmente aplica-se tanto a portugueses como a paneleiros, a paneleiros portugueses e aos portugueses como paneleiros, quero dizer: rapazes provincianos que descobrem aos tropeções modos de ser americano em vez de rever & reescrever a falha instalada nos seus corpos para perceberem da urgência de deixar brotar algo novo no seu território e no mundo, longe do aborrecimento e do imperialismo e do óbvio. paneleiros, portugueses, etc.: puta de estória mal contada, destes amigos estranhos até ao meu avô. 



9. se os ingleses sorrirem a esta parte porque eu descobri como fazer um espectáculo de mim eu fico contente mas admito que não me é fácil sorri-lo a mim. posso sorrir se ouvir a canção e insistir no que ela me dá que é querer contar a estória ainda assim sem nunca saber bem como o fazer. das poucas coisas que possa dizer apesar de & através de odiar ser aqui, de odiar não ter comunidade ou continuidade, deodiar a falta de história e de uma estória e de um território, a falta de um desenho e canto de pássaro  - das poucas coisas que possa dizer em fazer-me em termos tão maus aqui é que mesmo em não encontrar esse espaço livre e bonito, que seria falar a comunidade & começar a contar as coisas de corpo diferente, e mesmo assim poder beber vinho (estereótipo: sou mediterrânico) e dançar (estereótipo: sou paneleiro) ao som de uma canção boa e pequena como a que tu tocas para mim... ao menos, ao menos posso lembrar-me que ir escrevendo-o é maneira de trazer o meu corpo a uma parte de existir, escrever por ser acto de conjurar e arranjar as partes de que preciso em conjunto desconfortável ao invocarem a falha & daí tactear uma diagonal qualquer, uma maneira de falar-fazer. de qualquer coisa ganhar corpo e vir à luz sem ser legível ou legítimo, até. 


10. imaginar-me sentado com dois ingleses em inglaterra que são pessoas que gostava que me ouvissem enquanto ouço a canção que quero que tu toques para nós, para mim, é só maneira de escrever esta carta de desamor a um país: olá & adeus território e casa, corpo português, medo, tudo isso: eu odeio-te: fizeste de mim um escritor & eu amo-te: escrevo-te esta carta.

for an anglo to see.

1. we could do it like this: you play guitar in a slow and hence vaguely significant manner while i compose a discourse of slow hatred towards this country - which is just a way of composing love & loss. does this sound good to you? you can: have a cigarette in your mouth and explore a variation of a boring latin ballad while i make a skeptical face which is the fact of an attempt at a conversation again. or, we can completely do away with the mediterranean-acoustic tone and admit that anything to explain me would be more in line with a slow r'n'b song with synthetized claps in which i found a rhytmic, unserious, light way of saying: i can no longer sleep on any bed at all because i do not have a community. the first time i type out community continuity comes out: it's not wrong.

2. now, i don't need to smoke cigarettes and to imagine the song you play as much as hear it and say: cannot stand the lacerated non-community of faggots who never come to be the, the one, community yet to come: cannot stand the lack of songs in the bodies of this land, cannot stand that this city does not know how to fuck itself. cannot stand the subtle (subtle?) transphobia that structures our weaving of a story of "ours" from the other side of the atlantic, not so much for an englishman to see as much as for us to see ourselves american, and not even those poor fools would be sure they want to see themselves as such, who could be? am sick: of needing you to be the kind of friend that understands that loving language is something which installs itself in the body and ruins and creates almost everything & of simultaneously needing you to be the kind of friend who knows how to dance with me to the sound of so-called. stupid. songs, this being one of the few things this some "gay community" learnt & one of the few valid things it saw, one of the few arts it understood.

3. a community which has learnt nothing real and complete, never quite cut up enough, on wanting and fucking and making, but which knows how to dance itself, which is big and a way of saying something real good too & an ethics. i say, i need to dance as much as i need to love language and i need both at the same time. this seems impossible to me in a country whose body is depressed - i mean, in a body-nation which has cracks, serious immense and grotesque grooves, which make it impossible for it to be agile (mentally) and good; impossible in a country with a broken tongue - i mean, in a body-nation which has no idea of what it is to love speaking & to love speaking itself. now, when i say body-nation i actually mean the territory i've arranged around here within its limits and through the however many select bodies with which i arrange it, but i have no other way of telling you the story, nor can i stop believing that these territories & these bodies are this country in a way which is quite its own and sufficient. the song? has vocal runs in a language we don't know (korean?); the song you play or make or sing for me, so that i may speak, has vocal acrobatics which give me humour, good humour, to know how to speak all of this.

4. love letter to portugal: i fucking hate you, it is impossible to live within you, all the lessons i carry in my body about the impossibility of a community and the impossibility of a language and the impossibility of the work of a tongue and also the impossibility of a body dancing (purely, beyond) - they're yours. am thinking: of transphobic faggots who do not want to be called "faggots" but who will be okay in allowing worse words to accrue to trans & am speaking of a country that does not know how to create itself in the moment it collapses, which is one of the few ways for a body to exist in this world - to make itself at its unmaking. right? am thinking: that i will not find work, way of saying that i will not find the work, way of saying i will not find text, the way my body and my speech go making one another in this or another territory. text & money, smile: this country - no, this territory - no, this community - has neither. everything that was creased along the edges of our story, we have unlearnt. we portuguese people & faggots are inept at knowing the closet and the body and the dance and at making an archive, the beginning of the weaving of an archive, even. we can now only exist in the conversation had with a transatlantic phantasm, which is a hard to place text/money. i have all possible conversations on the impossibility of living here it and yet it is still possible to live in the impossibility of living this. (though it is impossible to speak of this without your song around.)

5. am sitting in a living room (nice mats) with a couple of english friends who smoke a lot and that way i can remove my body from itself enough to speak the territory that made it. right now, am thinking: about voices which are not salazarist nor racist nor imperialist nor xenophobic, "but". am thinking: about my grandfather telling me about the hurt of not having me here, of seeing me having to go make my money/text elsewhere - you can guess which half he speaks of, and in which one my worth resides -, all because this country has gone ill, has always already been ill, and my body has to discover a flight, some diagonal elsewhere, right over there, and elsewhere again, all because the portuguese middle class has been bankrupt since birth. my grandfather's notion is that democracy in this country is meaningless because the people do not have power and that at least with salazar, dot dot dot. the subtext is, with salazar there is competence. values & principles. and all that means is that with salazar every body is installed in a secured place by fear and we existed, fortunately apparently?, before the race; pre-modern before the transatlantic conversation. the terms of this theater are: "competence" & "people".

6. now, i have no fucking clue how to begin formulating what a people is; but we can think of bodies and territories and the thing through which bodies make territories, namely the voice, which is how a bird draws its space in the world and knows how to be a bird and do its birding. this must somehow be my unsubtle attempt at the defense that we can still maintain our wet dreams of discovering a voice and a being-portuguese with anything even remotely close to the competence of a bird and its definitive capacity, so beautiful & well-defined, to be a bird. yes to know how to still have wet dreams in this territory would be a start. another slippage: i want to write wet dreams but i write wet bodies instead. i know, never no-one nothing body or voice will tell me welcome be your body and voice here, this territory is for you, is yours. what this means in a fundamental sense is that this territory is my territory which is that of not having a territory in so far as bodies, a people, do not have the basic competence to draw it, which happens by singing and fucking. at this point, the song you are playing (you who are so beautiful while playing this song with as many hands as you need) has already looped a few times. the english couple is patient in seeing me (they are, generally speaking, a patient body-nation). i feel like: saying that this is the most beautiful language that i know because it is the possibility of my body in history: somehow i have to believe this is worth something. no idea how to do that here, to know this body like this. i'll repeat grandfather's notion, or my notion of that ill notion: that with salazar there are values and principles because each body is installed in a secured place by fear. now every body is fragmented, in non-places & non-figures, by fear. no lesson other than fear and no position other than that of existing pre-historically.

7. if i speak of fucking again? it's as an instance and metaphor for "two" or more (please however many as possible), "two"-or-more bodies entering a conversation and coming to existence by tracing something in space, discovering a territory, which is a pleasure & a power. to speak of it as "fucking" is as important as speaking of it as dancing or singing and it all leads back to the same and essential; in some fundamental sense, this territory does not know how to fuck itself, and simultaneously, it has done nothing else in its recent story (baddam-tschh: you pause the song for seconds for comic/dramatic effect: the english couple laughs. they like this story and i'm in a good mood because i'm talking and smoking and drinking a lot, and this song is perfect because it's relaxed and superficially dissonant by being plastic and light when it hits exactly what i need to feel, which is in turn heavy & austere. but thank you for this,) thank you for helping me stage this. the english couple smokes and smiles. of course they smoke; they're friends of mine, and so are you. but i'm losing the thread. cleft: am against a failed community which i reject, that of faggot bodies who reject the usual bothersome bits, deflecting however many other bodies (femme, trans, black, whores's bodies,...) outwards & onto ugly so they may come to light, legitimate, and make their story in this territory by learning the viewpoints of a place other than this one: we are all american/masc/normal/post-modern. (the locus of ethics: the residue: to be portuguese/a femme/a freak/pre-modern.)

8. exactly the same place from which i speak when i review and reject it, the liminal space of a reflection in a mirror we don't recognize as such. way of speaking of in me the dream & fervour of the coming community as a lesson about so many other communities yet to make. less obscure: exhausted of the orthodoxy of homosexual cock and its bourgeois dreams of revolution somewhere in the designated areas of lisbon, a city which is ambivalent about fucking, dancing, speaking itself, being itself. replica of the ill leson learnt elsewhere, in all territories around us; the worst we could have extracted from the transatlantic conversation about ourselves, always illuminating us as special in the poorest parts of ourselves and obliterating the merry dismantlement, the awesome gap, which we could yet occupy, and the whole new lesson about desire that would ensue: what opens up in homossexual history. all of this ugly and hurtful would have had to be at least a new lesson on desire so that i do not give into despair. & this probably applies as much to the portuguese as it does to faggots, to portuguese faggots and to the portuguese as faggots, i mean: provincial boys who find out, stumbling, ways of being american instead of reviewing & rewriting the gap installed in their bodies so that they may understand the urgency of allowing something new to bloom in their territory and in the world, away from boredom and imperialism and the obvious. faggots, portuguese, etc.: fucking badly told story, from these foreign friends to my grandfather.

9. if the english couple smiles at this bit because i've found a way to make a spectacle of myself that makes me happy, but i admit that it's not easy for me to smile this to myself. i can smile if i hear the song and insist in what it provides which is wanting to tell the story still without ever quite knowing how to do so. one of the few things i can say despite & through hating being here, hating not having a community or continuity, hating the lack of history and of a story and of a territory, the lack of a design or a birdsong - one of the few things i can say in making myself in such bad terms here is that even when not finding that free and beautiful space, which would be to speak the community & to begin telling things from a different body, and to still be able to drink wine (stereotype: i'm mediterranean) and to dance (stereotype: i'm a faggot) to the sound of a good and small song such as the one you play for me... at least, at least i can remind myself that to go on writing is a way of bringing my body to a part of existence, writing being a conjuring act and manner of arranging the parts which i need in an uncomfortable whole by invoking the gap & from there to feel out some diagonal, a way of speaking-doing. a way of something gaining body and coming to light without being legible or legitimate, even.

10. imagining myself sitting with a british couple in england who are people who i would like to have listen to me while i listen to the song that i want you to play for us, for me, is just a way of writing this unlove letter to a country: hello & goodbye territory and home, portuguese body, fear, all of that: i hate you: you have made a writer of me & i love you: i write this letter to you.