apresentação de uma proposta de projecto que tenho tentado pôr a circular, sem grande sucesso. quem tenha interesse nas relações entre política & emoção; femininidade & afectos; afectividades LGBT; relações entre o pessoal & o político; críticas anti-psiquiátricas, queer & feministas; estudos da emoção: entrem em contacto! objectivo: formar um colectivo de intervenção crítica/política/criativa.
*s
PROPOSTA: PROJECTO:
AFECTOS.
________________________________________________________________
i. Apresentação.
Estás Deprimido? Talvez seja Político!
Os afectos importam, quer sejam positivos, quer sejam negativos. Temos
de nos posicionar contra a imposição normativa da "felicidade" e
procura conhecer e construir uma estória mais plena das nossas vidas afectivas,
nas suas dimensões públicas e políticas. Convivemos com índices internacionais
de felicidade; quantificações científicas da satisfacão; teorias
"objectivas" do afecto modeladas a partir da teoria quântica; pilhas
de livros de psicologia pop a instaurar o pensamento positivo enquanto
imperativo psíquico. Estruturas inteiras apressadas na ansiedade de garantir
que dizemos que sim, que sorrimos, que estamos satisfeit*s e sossegad*s,
independentemente das nossas realidades subjectivas e sociais. Temos de
transtornar estas forças sociais de normalização. Não interessa viver numa
cultura de caras contentes; interessa viver numa cultura de corpos completos.
Urge respeitar e afirmar todo o espectro da experiência, sabendo que para tal
falta produzir certos conhecimentos, espaços, registos e textos.
E urge em particular conhecer o pleno sentido e efeito dos nossos
afectos negativos. No contexto da crise económica actual, fazem-se
quantificações frequentes, actualizações estatísticas constantes, índices
nacionais e internacionais: a economia quantifica-se, contabiliza-se. E esse
mesmo tipo de contas diz-nos de índices mais elevados de suicídio e de sintomas
depressivos em diversas populações ocidentais no contexto da crise económica.
Claramente, da crise social deriva uma crise subjectiva. Infelizmente, há
coisas que o psicopatológico percepciona - e materializa no corpo - com mais
lucidez do que o psiconormativo. Infelizmente, o corpo em crise é a expressão
mais brutalmente honesta da situação económica e política que vivemos. E quanto
a isto, é-nos dito que sejamos pacientes, optimistas, positivos e racionais.
Esta imposição da afectividade positiva é um mecanismo de domesticação
na gestão da cidadania contemporânea. Comunica que o afecto negativo é pura e
simplesmente um fenómeno da ordem singular da subjectividade de cada pessoa,
pessoa que pode e deve silenciar, suprimir e transcender esses afectos. O
psíquico é um problema privado e não público, um problema pessoal e não
político. Resulta que o sujeito em crise, e o sujeito psicopatológico em
particular, está isolado (e não articulado) e o seu problema é individual (e
não colectivo). Mas todas as estruturas mentais derivam de estruturas
materiais: são sintomáticas delas e somatizam circunstâncias de vida e sistemas
de poder. O mental é material e o individual é colectivo. A depressão é um
facto político. Todo o afecto é um facto político.
Contra o imperativo coercivo do positivo, importa produzir arquivos da raiva,
do desespero, da impotência, da perda, do luto, da desistência, da exaustão...
Importa constituir uma memória colectiva que rompa com o mar-de-rosas que
certas construções normativas pretendem forçar sobre a nossa experiência, sendo
que esta memória é uma forma essencial de partilha pessoal e uma força
estratégica de acção política. Isto porque o subjectivo é sempre sintomático
das estruturas sistémicas das nossas vidas. As emoções comportam lições quanto
às nossas circunstâncias sociais, políticas, económicas. Os afectos podem e
devem ser instrumentalizados enquanto ferramentas de diagnóstico político.
Este projecto visa colocar os afectos no plano do espaço-público e
estimular em torno dos mesmos práticas de pensamento colectivo, de partilha
crítica, de criatividade productiva. A ideia é procurar potenciais de crítica e
criação através de uma série de intervenções que 1) coloquem o pessoal
enquanto problema público, 2) politizem o discurso em torno dos afectos,
3) afirmem o espectro total da experiência afectiva, 4) respeitem
e representem afectos negativos, 5) demonstrem as potencialidades
políticas da afectividade negativa, 6) explorem as múltiplas relações
entre o pessoal e o político e 7) entre o material e o mental; 8)
elaborem os nossos conhecimentos do emocional e do mental e 9) nos
capacitem com novas formas de auto-representação (privada e pública) e acção
(pessoal e política) - isto para indexar apenas algumas motivações e algumas
possibilidades.
As propostas específicas que se apresentam aqui são, especificamente:
1) Arquivo
Queer. Vídeo-arquivo de testemunhos
pessoais em torno de afectos negativos com um papel significativo na
experiência LGBT contemporânea em Portugal.
2) Grupo de
leitura. Grupo de leituras teóricas e
técnicas em torno de textos que coloquem a problemática do afectivo, da psiquiatria
à poesia e da filosofia à política.
3) Colaborações
críticas. Parcerias com diversas entidades,
académicas e não, que capacitem a produção e partilha de conhecimentos do
afectivo, cruzando o científico com outros saberes.
4) Oficinas
criativas. Espaços de estímulo ao
trabalho criativo em torno do afectivo, articulando teoria, autobiografia, e
criatividade, explorando uma potética / política dos afectos.
5) Dia
Internacionaldos Politicamente Deprimidos. Apropriação desta iniciativa do Feel Tank Chicago - uma de manifestação
sentimental, politicamente paródica.
Finalmente, deixo algumas notas sobre o projecto que serve de modelo
principal para esta iniciativa; o Feel Tank Chicago.
...E não sei que título dar a isto. Não desgosto
de "Projecto Éris" (deusa grega da discórdia e entropia, feia e
renegada, produtora de caos; nome de um planeta vizinho do sistema solar; a
palavra derivada "erística" designa a arte da disputa argumentativa na
filosofia clássica, ao ponto da distorção da lógica e do raciocínio). Mas não
sei. Éris parece-me demasiado... sóbrio. Não sei.
Obrigado
por lerem! *
*
ii. Algumas Intervenções
1) Arquivo Queer: Construir um arquivo afectivo de sujeitos queer que relatam, e
reflectem sobre, experiências emocionalmente negativas. Uma colectânea de
vídeos de cerca de 10 minutos cada um, actualizada regularmente. Apresentar a
determinado sujeito uma série de rubricas-chave, das quais seleccione uma, a
partir da qual este coloca uma problemática/conta uma estória/lança uma linha
de interrogação/o que seja, sembre na articulação do autobiográfico e do
crítico; sempre na articulação do privado e do público. Estrutura e estilo de
testemunho/confessional. Um critério parcial de selecção: alguma atenção dada a
artistas/activistas/académicos: àqueles que se posicionem como catalistas dos
conhecimentos e realidades da comunidade LGBT; mas é um projecto potencialmente
aberto a todos, de acordo com critérios que se irão aprendendo. Deixo uma
proposta inicial de rubricas-chave, todas as quais procuram identificar estados
emocionais potencialmente significativos para a construção um discurso
biográfico/crítico queer, de uma memória colectiva LGBT das pressões que
sentimos e das perdas que vivemos:
aborrecimento agressividade agitação
alienação ambivalência ansiedade
apatia arrependimento cobardia
culpa depressão descontentamento derrota
desespero desinteresse desilusão
destruição dúvida
esgotamento fealdade estupidez
exaustão inconsciência incapacidade inveja
impotência isolamento letargia
luto medo náusea
negligência nojo ódio
pânico paranóia perda
prisão raiva rejeição
ressentimento silêncio tensão
vazio vergonha.
Para quê?
•
Para potenciar e agilizar
partilhas entre pessoas LGBT, construindo sentidos partilhados da sua experiência
comum; sentidos de paralelos entre experiências, e subsequentemente, sentidos
de pertença.
•
Para desmistificar as separações
entre o privado e o público, demonstrando o que há de social no subjectivo e o
que há de colectivo no individual.
•
Para perceber as dimensões
políticas da experiência e da emoção, expondo que o campo do pessoal é um campo
de inscrição do político e explorando as relações entre estados mentais
oprimidos e estruturas materiais opressivas.
•
Para contrariar discursos que
pretendem negligenciar as dimensões do negativo, através de um imperativo que
impõe a legitimação do pensamento positivo, mesmo quando este falha e falsifica
a nossa experiência.
•
Para produzir um diagnóstico
incisivo (porque íntimo) e eficaz (porque afectivo) da situação social LGBT
actual, através do registo das múltiplas dificuldades, perdas e
impossibilidades que ainda a caracterizam.
•
Para romper com uma
homonormatividade que propõe que os avanços nos enquadramentos legais da nossa
experiência significam a integração social e integridade psíquica da comunidade
LGBT, demonstrando e defendendo as experiências/emoções/identidades silenciadas
por estes discursos.
2) Grupo
de leitura: Estabelecimento de um grupo de leitura em torno de
temáticas psiquiátricas e psicológicas, com foco na psicopatologia, explorando
diversos campos textuais, incluindo 1) o cânone teórico
anti-psiquiátrico, 2) as teorias contemporâneas dos afectos e 3) várias
poéticas dos afectos. Trabalho colectivo de interpretação e reconstituição dos
sentidos dos afectos, numa relação crítica (até céptica) com os mecanismos
sociais-médicos pelos quais a psiquiatria e a psicologia legitimam a autoridade
das suas interpretações do corpo, da subjectividade, da emoção e da cognição. Desenvolvimento
de uma literacia alternativa; de uma maior sofisticação crítica no entendimento
dos afectos que transtorne e transcenda o senso-comum e/ou a ciência. Literacia
técnica, passando pelo reconhecimento e conhecimento das categorias operacionais
nos discursos psiquiátricos e psicológicos dominantes na contemporaneidade.
Literacia teórica, passando por trabalho especulativo que cruza saberes
subalternos e que cruza e confronta as estruturas da psiquatria e da psicologia
com outros regimes discursivos - artísticos, autobiográficos, antropológicos,
políticos, filosóficos - que lhes sejam contrários e complementares.
Alguns pontos de partida provisórios: Gilles Deleuze, Félix Guattari, Sigmund Freud, Eve
Kosofsky Sedgwick, Lauren Berlant, Ann Cvetkovitch, R. D. Laing, Theodore Lidz,
Silvano Arieti, David Cooper, o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders), o CID-10 (Catálogo Internacional de Doenças Mentais)...
Para quê?
•
Para potenciar
conhecimentos que se mobilizem quer dentro, quer fora dos regimes científicos
dominantes que determinam entendimentos comuns do mental, do subjectivo e do
afectivo, cruzando diversos domínios de conhecimento e produção de sentido.
•
Para capacitar
sujeitos psicopatológicos a um auto-entendimento crítico, em que se autonomizam
enquanto sujeitos de conhecimento das suas experiências, necessidades,
características e potencialidades - em vez de se submeterem a serem passivos
objectos de conhecimento da autoridade institucional.
•
Para
compreender o papel e natureza do psíquico em vários dos nossos meios de
representação, incluindo as diversas ciências sociais, os media e as artes,
interpretando e criticando a imagética que se constrói em torno do sujeito
psicopatológico em diversas tradições ocidentais.
•
Para desestabilizar
e desenvolver o sentido da psicopatologia, quer compreendendo os usos e nexos
desta categoria cognitiva/afectiva, quer pondo em causa as dimensões em que
possa falsificar a experiência, constrangindo a possibilidade de acção
individual, oprimindo o sentido que o sujeito tenha de si próprio, e
despolitizando diversos aspectos da experiência subjectiva.
•
Para mobilizar
a psicopatologia enquanto potencial ferramenta de diagnóstico social e
político, sintomática de estruturas materiais e simbólicas passíveis de crítica
a partir dos termos da própria doença mental; para compreender o que o olhar
psicopatológico percepciona mais eficazmente do que o olhar psiconormativo.
3) Colaborações
críticas: Criar parcerias com diversas entidades, para colaborar na
construção de novos conhecimentos do plano dos afectos e de discussão pública
da problemática do pessoal. Aproveitar o trabalho já realizado por diversos
indivíduos e colectivos em torno das questões que preocupam o projecto,
articulando-o de novas formas (p. ex., com o de outros indivíduos e colectivos
ou em espaços em que normalmente não circulam), e incentivar novos processos de
reflexão e discussão (p. ex., convidar activistas a pensarem e partilharem
posições em torno do afectivo). O vínculo a determinadas entidades (p. ex. a
FLUL, a UMAR) também facilita uma certa legitimação do trabalho feito e a criação de um determinado público que seria
difícil de garantir avançando sem esses suportes institucinais.
Possível colaboração 1): faço parte de um colectivo recém-formado chamado Krisis
& Poesis, baseado na FLUL, que se propõe a trabalhar o conceito de crise em
diversas vertentes, através da reflexão académica e da interpretação de
determinadas produções artísticas e documentais. Estamos a preparar, para 2014,
um ciclo de conversas. Molde: dois especialistas convidados (académicos ou
não), um objecto específico de discussão (um documentário, um filme, um texto,
etc). Colaborar com o Krisis & Poesis na organização de um evento sobre
crise social & crise subjectiva, que articule relações entre o material e o
mental e problemáticas psicológicas com problemáticas políticas. Título
provisório: O Sujeito Em Crise.
Possível colaboração 2): comunicar, através da UMAR, com investigadoras que
trabalhem directamente ou indiferectamente questões do feminino e do afectivo,
de um ponto de vista sociológico/histórico/antropológico/filosófico, etc.
Organização, com a UMAR e na sua sede, de um ciclo de conferências/conversas
sobre as relações codificadas entre o emotivo e o feminino (trabalhar termos
insistentemente articulados em torno do corpo feminino, como: o privado / o
corporal / o sensível / o emocional / o irracional, etc). A Teresa Joaquim
(Universidade Aberta), no livro "Menina e Moça: Construção Social da
Feminilidade, séculos XVII-XIX" (Fim de Século, 1997) tece algumas notas
de interesse sobre o feminino / o corporal / o sensível; de resto, não tenho
para já mais referências. Título provisório: Mulheres & Emoções.
Possível colaboração 3): organização de uma conversa - ou ciclo de conversas;
dependerá da riqueza do tema para desenvolvimento, e da disponibilidade das
pessoas - em torno de activismo e afecto: exploração pública do material
emocional de que o activismo é feito e que o activismo tem como efeito;
consideração das condições subjectivas do trabalho político; explicitação dos
posicionamentos políticos enquanto posicionamentos pessoais; entendimento da
implicação política do pessoal e da implicação pessoal do político. Um
primeiro convite a fazer: às Panteras Rosa (tal articular-se-ia com o
Arquivo Queer, e com a participação de algumas Panteras no mesmo). Espaço por
determinar: será o RDA uma opção? Título
provisório: O Político é Pessoal. Outra opção, próxima desta: sobre os
efeitos fisio- e psicopatológicos da precariedade, com base na medicina e
psiquiatria. Título provisório: Corpos Precários.
Para quê?
•
Para construir
conhecimentos do afectivo, do pessoal e do psicopatológico que se constituam no
cruzamento de uma multiplicidade de discursos, memórias, experiências,
enquadramentos e percepções, complementado (e quando necessário, contrariando)
as definições técnicas e teóricas do discurso psiquiátrico e psicológico.
•
Para comunicar
esses conhecimentos para lá de contextos exclusivamente académicos, potenciando
os usos não-académicos de conhecimentos que se produzem dentro e fora das
linhas do científico.
•
Para
reconhecer o pessoal enquanto fenómeno público, reconhecendo-lhe o cariz
social, histórico e político: legitimar o pensamento colectivo e colaborativo
de materiais biográficos e matérias emocionais.
4) Oficinas
criativas: Criar espaços de estímulo à prática criativa que insistam
num pensamento crítico e numa imagética alternativa em torno das questões da
psicopatologia, da afectividade, da corporalidade e da subjectividade. Estímulo
da inscrição dos afectos (autobiográfica ou não), em moldes teoricamente e
formalmente experimentais, passando pela reflexão crítica aprofundada das
emoções e pelo jogo com as formas do artístico, do crítico, do autobiográfico,
do académico, e por aí fora. Estímulo às práticas da representação crítica e da
auto-representação e à construção de arquivos afectivos, individuais e
colectivos.
Exemplo 1): oficinas de escrita criativa que proponham a sujeitos não-psicopatológicos
escreverem sobre a psicopatologia, criativamente e criticamente (ou ambos) ou
mesmo a sujeitos psicopatológicos escreverem sobre a psicopatologia,
autobiograficamente, criativamente ou criticamente (o mais interessante será
sempre alguma articulação desses regimes diferenciados; esta articulação seria
uma insistência do projecto). No que
toca à segunda vertente: aponto que o hospital Santa Maria tem uma clínica de
dia, um serviço de internamento psiquiátrico parcial, que incorpora diversar
práticas psicoterapêuticas de cariz criativo; um convite ao mesmo para uma
colaboração podia ser considerado.
Exemplo 2): separadamente ou mesmo na sequência da organização de um
ciclo de oficinas de escrita criativa, uma sessão de leitura de textos
literários e autobiográficos em torno de um dos estados afectivos chave do
projecto (por exemplo, "depressão", "luto" ou "raiva").
Exemplo 3): mais uma vez, separadamente ou mesmo na sequência da
organização de um ciclo de oficinas de escrita criativa, produção de uma edição
temática, colectânea de registos criativos-afectivos em diversos registos
formais e temáticos - ou mesmo de uma série de colectâneas diferentes,
articuladas dentro de uma série, definidas por temas individuais
(conceitos-chave/afectos-chave). Vias: publicação tradicional através de uma
publicadora independente; publicação gratuita online (estabelecimento de um
site, produção de um .pdf) e/ou publicação caseira (encadernação amadora).
Exemplo 4): organização de uma exposição fotográfica ou de expressão
visual de outra ordem em torno dos afectos-chave, em que os artistas
participantes colaborem numa discussão colaborativa em torno dos
conceitos-chave/afectos-chave do projecto, num processo de reflexão colectiva;
curadoria e apresentação critica/teórica da mesma a cargo do projecto.
Para quê?
•
Para capacitar
a auto-representação de sujeitos psicopatológicos, através de todas as
linguagens criativas e críticas a que possam recorrer para melhor responder às
suas experiências.
•
Para
incentivar a representação pública de diversos afectos, em particular quando
estes são articulados criticamente, com atenção às suas dimensões públicas e
políticas.
•
Para explorar
as relações entre estética e emoção; ou mesmo para pensar qual, historicamente
e agora, a estética de cada emoção, reconhecendo e explorando a forma como
determinados afectos estão codificados em determinados tipos e estereótipos de
representação.
•
Para facilitar
a constituição de arquivos afectivos, ou seja, de uma memória colectiva de
determinadas experiências afectivas que, pelo meio da expressão criativa, podem
ser articuladas enquanto transversais a diversas posições subjectivas -
colocadas enquanto socialmente significativas.
5) Dia dos
Politicamente Deprimidos. Celebração, em
Portugal, do Dia dos Politicamente Deprimidos - uma invenção do Feel Tank
Chicago (um grupo de pesquisa e intervenção política americano em torno de
questões de afecto, composto por artistas, académicos e activistas) que visa
compreender e afirmar as dimensões públicas e políticas da depressão: perceber
como a depressão é, parcial se não totalmente, sintomática de um sistema
económico e social em crise - ou seja, que a crise subjectiva deriva de uma
crise social. E como se dá expressão a isto? Wikipedia: "deram-se
instruções aos participantes na manifestação para que aparecessem de robe e
chinelos, trouxessem medicação, e qualquer forma legal de auto-medicação que
tivessem". A Ann Cvetkovitch elabora um pouco em "Depression: A
Public Feeling" (2012):
"(...)
o Feel Tank tem operado com o humor extravagante que poderíamos esperar de um
grupo de queers experientes no activismo, organizando um Dia Internacional dos
Politicamente Deprimidos, ao qual os participantes foram convidados a aparecer
nos seus robes para indicar a sua fadiga com formas tradicionais de protesto,
distribuindo t-shirts e imãs de frigorífico com o slogan Estás Deprimido?
Talvez Seja Político!. O objectivo é despatologizar emoções negativas para
que elas possam ser capacitadas enquanto recurso para a acção política, e não a
sua antítese. Isto não equivale, no entanto, a sugerir que a depressão é no
processo convertida numa experiência positiva; ela retem as suas associações
com a inércia e o desespero - embora não necessariamente com a apatia e a
indiferença - mas estas emoções, disposições e sensibilidades tornam-se focos
de possibilidade de espaço público e formação de comunidades".
Uma iniciativa para quando
já estivesse consolidado algum trabalho e se conseguisse juntar pessoas.
Para quê?
•
Para articular
o pessoal e político, demonstrando as implicações psíquicas das condições que
caracterizam o sistema socio-económico actual, registando (ainda que
parodicamente) os impasses, bloqueios e desvios afectivos que caracterizam a experiência
da crise actual; para comunicar que a precariedade é um fenómeno duplamente
económico e emocional.
•
Para articular
colectivamente a problemática da depressão, tornando claro que não é do foro de
uma singularidade inalienável, mas sim uma categoria médica geral que descreve
e organiza em conjunto uma série de experiências de diversos sujeitos que
podem, e talvez devam, procurar partilhas e, em conjunto, capacidades.
•
Para articular
politicamente a problemática da depressão, tornando claro que esta categoria da
experiência psíquica é socialmente construída (e que subsequentemente pode ser
socialmente reconstruída e/ou desconstruída); para tomar o sentido da mesma nas
nossas próprias mãos, tirando-a das mãos da psiquiatria/psicologia enquanto
instituição autoritária e ressignificando-a colectivamente.
•
Para perturbar
o imperativo coercivo da "privacidade", cujo afecto-chave é a vergonha,
que comunica ao sujeito que há emoções apropriadas e inapropriadas para a
expressão pública: romper com todo um sistema dominante de higiene dos afectos.
*
iii.
Sobre o Feel Tank Chicago
O Feel Tank Chicago é um projecto norte americano
que trabalha as dimensões públicas e políticas do afectivo. O grupo - que tem
as suas origens no projecto "Public Feelings", por sua vez uma parte
do projecto "Feminism Unfinished" - consiste em artistas, activistas
e académicos organizados no trabalho de pesquisa e activismo em torno de
questões das emoções e sensações. Premissa: que as esferas públicas são cosmos
afectivos; que qualquer compreensão do social passa por uma compreensão do
subjectivo. Foco particular em afectos negativos, justificado pelo fracasso do
sistema de representação política norte-americana em capacitar sentidos
positivos de participação e cidadania; em contra-ponto, apresenta os afectos
negativos enquanto frequentemente sintomáticos das crises e disjunções do
tecido social e político. Fundadoras: Lauren Berlant (teórica cultural), Debbie
Gould (socióloga), Mary Patten (artista), Rebecca Zorach (historiadora).
Algumas iniciativas do projecto:
•
Organização
da parada do Dia dos Politicamente Deprimidos (2003-2007).
•
Conferência
"Depressão: Para que é que serve?" (Universidade de Chicago).
•
Série de exibições: "Pathogeographies, Or, Other People's
Baggage" (Chicago).